quarta-feira, 28 de setembro de 2011

'Tá quietinho (Um Deus de trazer por casa)

Faz o que te mandam. Segue as regras. Passa na passadeira, não fales a estranhos, come a sopa. Olha os teus pais. Não digas isso. Entra a horas, baixa a cabeça, olha que está mau. Deus castiga. Ajeita a camisa, penteia-te. FAZ O QUE TE MANDAM.

Não- um tremendo, redondo e absoluto não. Não sou menina de calar a boca, não tenho jeito para hipocrisias e perdi a capacidade de ser cínica (que às vezes até dava jeito, mas enfim, foi-se!). E não sou uma marioneta nas mãos seja de quem for: jamais. Há algo muito puro e forte cá dentro: vontade. Mas é preciso encontrá-la, lutar por ela e quebrar as correntes que a rodeiam.

(Para ser sincera, também ainda preciso de derrubar meia dúzia de muros para lá chegar. Estou demasiado acomodada à rotina, tenho medo que a liberdade me leve o chão e me faça espalhar ao comprido. Estou presa a esta zona de conforto que não me faz feliz nem me abre horizontes, mas deixo-me cá estar porque tenho o meu pequeno buraco. Mas eu não quero um buraco- eu quero muito mais. (Já cheguei à beira do precipício…vá lá, Rita, é só dar o passo em frente!))

Não sou a Bela- sou o Monstro. O bicho no armário, o papão debaixo da cama. O olhar trocista. O esgar de desprezo. Eu piso a relva. Durmo nua. Eu provoco. Faço questão de meter o dedo na ferida…de escarafunchar lá dentro, assim é que é. E então? Uma parede bem segura não cai: testar os alicerces é a melhor forma de ver se a casa aguenta tempestades. O problema- andamos todos a construir na areia. Estamos todos de trela, uma peça agarra na outra, não posso dar um passo em frente porque senão como será o amanhã…’tá quietinho, ou lebas no focinho!

Pelo menos eu corro. Ando à chuva. Meto os pés pelas mãos, espalho-me, choro…vivo à minha maneira. Tenho dúvidas e soluções. Geralmente sobram-me as soluções quando escasseiam os problemas...e quando tenho dúvidas, só sobram mesmo outros problemas. Mas eu posso dizer que me rio com alma, que fiz as minhas escolhas e que traço o meu rumo. Que estou com quem quero porque quero e quando quero, que amo uma vez de cada vez (quando é sincero, até amar de novo, sem obrigações nem porquês). E sei quem é que devo culpar quando estou na fossa: a quantidade de vezes que já fui o mais profundamente ordinária comigo mesma.

Agora… se queres ser mais um, força; se queres ser um a mais, por mim tudo bem. Eu prefiro ser procurada toda a minha vida por fugir a ser outra nas fileiras. A mim, deixai-me cair em tentação. Não me livreis do mal: ajudai-me a distingui-lo. Dai-me pêlos na venta, salvo seja.

sábado, 24 de setembro de 2011

Angelologia

No centro do salão a jaula refulgia sob o efeito das luzes do tecto, cada grossa barra de metal com quatro sombras. Ele, a um canto, de joelhos encostados ao peito e cabeça baixa, não parecia ameaça digna de tamanho aparato.

Ela entrou, os saltos dos seus sapatos ecoando no vazio. Para além disso, o único som audível era o respirar dele, pesado, como se rosnasse, um ruído forte, vibrante.

Parou perto do gradeamento, onde o cheiro dele no ar era intenso e se entranhava. Nunca sentira nada parecido: a fragrância máscula tinha um toque fresco (a mar?), e fazia com que ela se sentisse embalada, tonta.

De repente ele levantou a cabeça. Os olhos, quase pretos, eram luxúria no estado líquido, tão profundos e penetrantes que a fizeram corar. Sentia-se nua perante aquela criatura, vulnerável, como se ele lhe lesse os pensamentos e adivinhasse os gestos. Viu-lhe os cantos da boca levantar, apenas ligeiramente, como se o embaraço dela o animasse.

“O que raio és tu?”, pensou. Ele, como se ouvisse, levantou-se e esticou as asas. Magnificas…a penugem espessa, de um branco brilhante, cobria-as inteiramente. Deviam medir mais de um metro de altura, um pouco mais ainda de largura, cada uma. O corpo, moreno, era forte e definido. E de todo o lado lhe saiam tubos, cateteres, drenos…todo o tipo de fluidos lhe eram retirados do corpo para pequenos sacos pendurados.

Ela tremeu e vacilou quando uma tremenda dor de cabeça se apoderou da sua força. Num esgar de dor caiu de joelhos no chão, as mãos puxando o cabelo como se a pudesse arrancar por ali. Na sua mente passavam rapidamente imagens de um mundo de horrores, tão negro que nem os seus piores pesadelos pareciam dignos de comparação. Histórias de violações, de crimes, de sangue, guerra e mutilação. Histórias de política, de medicina; casos de violência, abuso, depravação. Um mundo de aberrações, o segredo escondido no armário da amiga de infância, o profundo azul: ali estava o álbum de horrores da humanidade, com relatos na primeira pessoa. Este era o anjo que transformava cada minuto negro (de dor, humilhação, vergonha, asco, dilaceração) num tempo difuso que tanto podia -ou não- ter acontecido. Este era o demónio que detinha o poder de lembrar as horas que não são horas.

Quando a dor abrandou a roupa dela estava agarrada ao corpo, ela banhada em suor. Ofegava violentamente como se tivesse corrido do próprio inferno, e chorava. Olhou-o nos olhos: ele, calado, devolveu o olhar. Era uma expressão doce, no entanto. Como se carregasse o pior fardo do universo com prazer. Como se o alivio da mente de quem nunca mais será o mesmo diluísse o tormento que era a sua vida. Ela pensou como podiam ser tão brancas as suas asas, vivendo num tamanho breu.

Num impulso tirou as chaves do bolso das calças e abriu a jaula. As mãos tremiam enquanto lutava por encontrar a maneira de abrir a fechadura. Quando com um estalido a porta se abriu, ele nem se mexeu- ela, no entanto, aproximou-se e passou-lhe as costas da mão pelo rosto. E foi então que ele a agarrou pelos ombros e fechou os olhos.

Ela sentiu o mundo girar, tudo à sua volta se dissolveu até ser só uma massa indistinta. O seu corpo deixou de ter peso, o seu cérebro parou de pensar; ali, num momento que não sabe se existiu de facto, tudo o que sentia era o coração bater (sístole, diástole). E de repente estava em paz, sentiu-se em harmonia com tudo, consigo mesma e com cada ser do universo. De repente todos os pecados lhe pareceram perdoáveis e todas as almas redimíveis, como se o mundo tivesse salvação e a dor fosse apenas uma fase do processo. Sentiu-se capaz de tolerar qualquer provação, de amar acima de qualquer acto. Não fosse a memória de tudo quanto vivera, quase estava capaz de se proclamar Deus.

Quando abriu os olhos sorria, o processo ainda a finalizar. Sentiu o roçar suave de penas nas costas, um equilíbrio diferente na postura, e soube que tinha asas. Mas foi só quando o olhou que se apercebeu do custo do seu gesto. Pretendera salvá-lo, conhecê-lo melhor. Pretenderá libertá-lo daquele pesadelo. E agora via que não era um fardo…que o salvara (não do seu castigo) mas da insaciável curiosidade. Que o tirara das garras da ciência…pagando com a vida dele. O anjo era agora pedra- ela tinha uma dura missão a cumprir.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Quando a hora não é hora

Um dia de cada vez- repito para mim mesma, enquanto vejo pela janela o tempo mudar. O sol está mais baixo e mais fraco, incomoda os olhos e traz a nostalgia do outono. Na televisão passa um qualquer filme de terror daqueles com adolescentes e muitos gritos; curiosamente, “Cuidado com o que desejas” é a frase cliché que nunca me soou bem…hoje é quase melódica.

Tento conformar-me, não me deixar consumir pela culpa (o que, dependendo do prisma de pensamento, pode ser uma luta atroz ou tão natural quanto respirar). Mas, quer eu queira, quer não, a pedra está no sapato e não tenho como tirá-la. Não é propriamente doer, nem impedimento para andar…mas mói, incomoda, chateia.

Será que mudava alguma coisa, se pudesse? Fecho os olhos, respiro fundo, relembro. Bolas, não; não mudava ponta de um corno. Nada que pareça tão certo e natural pode ser assim tão condenável- errado sim, mas e daí? (Daí que agora te sintas a afundar com pés e mãos acorrentados, burra…) Tenho vontade de amachucar a consciência como folha de papel e atirá-la para o balde, para junto dos rascunhos sem valor. Não é uma questão de culpa…é força centrífuga, não há como evitar. Mas então porque me pesa tanto o ego? E ainda assim não mudava. Hei-de arder no inferno, mas olha, pelo menos vivi à minha maneira (e vou lá ter conhecidos, oh se vou!).

Entretanto o sol já foi: o espelho devolve-me a imagem duma Rita alaranjada, com o cabelo desalinhado e um semblante pensativo. Já desliguei a televisão, agora as colunas tocam baixinho (Foreigner, um grande som, Urgent. Já batia ao Lou Gramm por me estar aqui a encher os ouvidos com uma emergência que também me atormenta). Aconchego-me em mim, escalda-me a pele e a alma- nenhuma das sensações é inteiramente desagradável e, no entanto, alguma delas me está a arrepiar a nuca.

Sinto demais, e tenho uma tendência impressionante para o desafio (a pedra que mexe, o carro sem travões, o precipício!). Condenem-me. Um dia tudo vai bater certo. Hoje só não é o dia.

sábado, 17 de setembro de 2011

Sete Pecados


São originalmente sete, mundialmente famosos e base para filmes, livros, músicas e variadíssimas discussões. Na minha opinião, os pecados capitais -mortais, para dar um ar mais terrível- estão desactualizados. Obsoletos. Ultrapassados.

Luxúria, gula, inveja, ganância, ira, preguiça, vaidade: vejamos o caso ao pormenor.
Luxúria. Este custa-me solenemente: para ser sincera, acho que é daquelas coisas que dá felicidade, não prejudica ninguém nem corrompe. É vital e necessário? Não, nem perto- mas sabe bem. Moralmente, pelo menos no meu ponto de vista, não fere. Preservo os meus valores imaculados se tiver relações sexuais por prazer ou se passar o dia numa banheira de espuma…e, como se não bastasse, ambas as situações me melhoram o humor e (em consequência) a relação com o próximo. É preciso é boa disposição. Não está de acordo com os valores religiosos- temos pena. Se calhar o problema é essa mesma pirâmide de valores, há pecados bem maiores. O divórcio também não está e se for em prol da felicidade e do bem-estar geral faz todo o sentido, e é a opção correcta. Se não pesar na consciência, luxúria é das coisas mais docemente prazerosas que conheço. O mesmo se aplica às variantes sensualidade e lascívia. Um valente: “CULPADA”.
Gula. Pronto: não é bonito, saudável, útil, necessário nem (a um nível exagerado) prazeroso- é um vício redondo. Mas daí a estar no top7…não será exagero? Querer e consumir mais do que o necessário é uma tendência natural do Homem, justificada cientificamente. A sobrevivência da espécie passou por acumular para não passar necessidade, consumir acima do necessário (quando há disponibilidade) porque mais tarde poderá escassear. É uma espécie de herança comportamental, que faz sentido. Eu percebo os gulosos…vai ,não vai, junto-me ao grupo. Principalmente se incluirmos um geladinho ou um cesto cheio de nachos com queijo e guacamole no pacote.

Inveja. Bem, este já tem a balança mais equilibrada: pelo menos não é bonito. Vivemos num mundo em crise constante – quer financeira, quer de valores- onde as oportunidades são escassas e o que não falta é concorrência (por vezes) desleal. Cobiçar o alheio é mais natural do que pecaminoso, por princípio. E é dessa inveja que nasce a vontade, (quiçá) a motivação, para lutar por mais e melhor. Se lhe chamar “seguir o bom exemplo alheio”, no fundo, é a mesma coisa; mas é praticamente de louvar e não está errado. “Eu, cobiçar aquela vivenda com piscina, barbecue e campo de ténis? Não! Estou só a dizer que o modelo de vida daquele senhor empresário no bruto fato Armani que a comprou é nobre, vou fazer tal e qual.” –e, sinceramente, qual é o problema? Não que esteja correcto e seja bonito, mas daí a ser condenável vai um bocadinho. Devo ser feliz com o que tenho…mas se desejar mais ninguém leva a mal. Olhar para a galinha da vizinha não tem pecado nenhum, mas pelo menos que dê também valor à minha. De qualquer modo, este é um a evitar.

Ganância, ou avareza (segundo a Igreja Católica são uma e a mesma coisa). Ah. Este já é outro patamar, que faz na minha cabecinha muito mais sentido. É sem dúvida o pecado que considero condenável. Invejar é uma coisa que, controladamente, pode até ser saudável: a ganância é uma idolatria excessiva e descontrolada pelo material que passa por cima de tudo e todos. É um hino ao dinheiro que destrói a humanidade de cada um, e que leva ao isolamento. Uma espécie de auto-estrada sem fim nem saídas. Não gosto nada.

Ira. Não passamos todos por lá? É um impulso pouco correcto, mas não há como contê-lo vivendo no século XXI. Há más acções, más pessoas, acasos azarentos, abismos. Há buracos muito grandes- não faltam provocações que plantem a semente da raiva algures cá dentro. E ela ou é descarregada…ou cresce. Ódio, rancor, vingança. Bem, se evoluir até aqui, então sim, também condeno. Mas, nestes escassos anos de vida, já estive uma mão cheia de vezes (pelo menos) furiosa. Já perdi a cabeça, disse e fiz mais do que devia. Já, certamente, ultrapassei os limites do razoável e invadi o domínio do “outro”. E não me considero assim tão má pessoa.

Preguiça. Haja dó. Noventa por cento das pessoas que conheço são preguiçosas, algumas mesmo ao extremo. E a grande maioria delas não merece condenação por isso. Mais uma vez, as circunstâncias em que vivemos são propícias a um estado de cansaço e moleza que nos atira para o sofá. E momentos de ócio são necessários. Existindo uma conciliação entre trabalho e inactividade que permita à pessoa ter um nível de vida que a satisfaça sem incomodar ninguém…então que molengue à vontade no tempo livre. Havendo esmero e empenho quando é necessário, há tempo para tudo. Até para ficar esparramado na cama um dia inteiro.

Vaidade. ADMITO- precisava de começar por aqui! Também chamada de soberba (que será provavelmente um termo mais correcto, eu é que sou menos simpatizante). Não precisa de ser uma questão tangente à arrogância e ao orgulho, na minha opinião. Uma pessoa deve-se esmerar nos actos, nos sonhos, no pensamento…porque não na imagem? Qual é o pecado de querer parecer o melhor possível? É por estar ligada à luxúria? É juntar o útil ao agradável…e torná-lo quase divino (cheira-me que o problema é esse). Eu acho muito bem: se eu não gostar de mim, quem gostará?

Fazendo uma avaliação- vou arder no inferno! Tirando a ganância e a ira (do qual sofro pouco), confesso que estes pecados são quase traços de personalidade. Bastante gerais, por sinal.

E então quais serão os crimes e instintos humanos merecedores de condenação? As paixões a conter? Destes, manteria a ganância. Mas não faz muito mais sentido a pedofilia? A violência? O abuso dos recursos naturais? Roubar? Violar os direitos humanos, no geral, é muito pior que ser vaidoso, preguiçoso e guloso (juntos). Digo eu. Mas façam o favor de me dar a vossa opinião.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Parêntesis mental


Às vezes penso no quanto te quero tão intensamente que juro que se olhares para mim, ouves. Desvio o olhar, coro, rio-me. É tão ridículo, mas faz-me feliz. Profundamente. Sinto-me...viva- sim, é isso mesmo. Capaz.

Acho sempre que nunca mais me vou voltar a apaixonar, e acabo sempre por cair na mesma raiz levantada. É aquela coisa que anda de noite: a tomada está a dar choque, ora mete lá o dedo! Não tem ponta de racionalidade; simples, sinto e sabe-me bem. Merda. Hoje apetece-me adormecer do teu lado.
Queres fazer o favor de me sair da cabeça? Mas que falta de respeito...

(ps: O post mais idiota de uma vida)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Não é uma música d'Os Pontos Negros, mas poderia ser (Conto de Fadas da Madorna à Parede)

(Já desabafei, agora vou fantasiar.)


Ela precisa de mais. O mundo gira, o relógio não pára, mas a cama – vazia- parece impune e quase divina, omnipotente. Quem haveria de dizer que o cinza-tecnológico (nome técnico que cobre desde meios de transporte e vitrines a telemóveis e redes sociais) lhe dava um tédio de morte, que a luz artificial lhe feria os olhos e a comunicação social exercia um efeito diurético na sua cabeça? Ninguém, mas, voilá!, é a mais pura das verdades.
Ele vive a vida como é, consciente de que os que interessam não se importam e que os que se importam não interessam. Ele luta, pensa, faz. Mas ele não é completo.
Ela, enrolada nos lençóis, não vai sair da cama. Não quer sair para enfrentar uma humanidade mecânica em que todos têm o mesmo conteúdo e uma carcaça também semelhante. Ela é diferente, e está cansada do pára-arranca social. *(Parafuso e fluido em lugar de articulação, até achava que aqui batia um coração; nada é orgânico, é tudo programado, e eu achando que tinha me libertado…mas lá vêm eles, novamente, eu sei o que vão fazer: reinstalar o sistema!)

Ele rema contra a maré. Foge das massas e fecha os olhos quando o vento lhe bate na cara. Ele pensa mais do que fala, é mais do que aparenta. É especial e desconhece. Tem dúvidas, questões, medos; não sabe se é a ovelha negra ou uma espécie de águia num mundo de galinhas.
Ela lê tanto que já tem o cheiro do papel entranhado nos dedos. Ele acha que o melhor perfume é o de roupa lavada. Ela tem um sorriso fantástico. Ele podia passar o resto dos dias a dar-lhe motivos para sorrir.

Eles encontram-se junto ao mar. A cama dela já não está vazia. O mundo dele já está completo. Ela já não precisa de mais. Ele já tem as suas respostas.
(Não quero estragar o fim, mas vai ficar tudo bem.
Felizes para sempre.)

PS: Tenho saudades da tua boca no meu pescoço. De me sussurrares ao ouvido. De me beijares lentamente. Sinto falta da tua respiração quente, da minha pele arrepiada. Dos segundos, das horas. Ainda não percebi se tenho um vazio cá dentro ou se estou tão cheia que quase rebento. Quero-te. Truly, Madly, Deeply. E já. Ou então para sempre.
*Pitty- Admirável chip novo

Ontem, hoje e (talvez) amanhã

Tenho cada vez mais a noção de que tudo o que construi até agora não passou de um castelo de cartas. Problema: o dito cujo resolveu cair agora, e eu não tenho mãos para o sustentar. (Frágil. Sinto-me frágil.)

A ironia é que eu até tinha orgulho na obra- guardo doces memórias de cada peça colocada quase milimetricamente com uma fé que (se me perguntassem “ontem”) era inabalável. Lembro-me dum sorriso meu e só meu, escancarado, vital…real. Lembro-me duma força que vinha directa (Do coração? Da alma?) de dentro. Lembro-me de gostar de ser eu mesma e de estar comigo.
De alguma maneira desse lugar aberto, ao sol, onde vivia, caminhei para um túnel. Primeiro faltou-me a luz. Depois começou a afunilar. Agora aperta-me de tal maneira que dou graças por já nem ver.
Não percebo o que quer o destino. Não sei que fado é este meu, que me escapa por entre os dedos como água. A força fugiu de mim; não a encontro, se cá está; é um curto engano, se julgo que a agarro.

Não sei por onde pegar. As cartas que seguro desfazem-se em pó como se o seu tempo tivesse passado e eu tivesse perdido a oportunidade. Ao mesmo tempo quero fugir e tenho os tornozelos acorrentados. Tenho medo do futuro, bolas, estou apavorada. E estou triste comigo, tão triste. E exausta, meu Deus…
Alguém lá em cima ou se está a rir, ou se esqueceu de mim.
(A pressão cá dentro é muita, tanta que temo que se tenha dado início ao processo de liquidificação do meu cérebro. Tenho medo de explodir se abrir os olhos. E bolas, choro que nem uma menina. Já caiu o ás de espadas, o rei de copas e a dama de paus. O valete de ouros parece ainda estar do meu lado…sem ele -vocês- não sei o que seria de mim. Acho que é desta que morre o último sonho e o conto de fadas...paz à sua alma. Saibam que eu, um dia, acreditei.)
I keep a journal of memories
I'm feeling lonely, I can't breathe
I fall to pieces, I'm falling
Fell to pieces
and I'm still falling

Every time I'm falling down
All alone I fall to pieces
VELVET REVOLVER- FALL TO PIECES

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A Rita e um "Suponhamos"... (Destino)


Acreditas num destino traçado?

Pergunta de merda, desculpem a expressão. Não pela questão que levanta literalmente, mas por todas as outras que lá estão implícitas (sobre as quais tenho pouca vontade de reflectir, e menos ainda de chegar a alguma conclusão).

Foi-me sempre muito fácil acreditar que sou livre. Quer dizer, mesmo aquelas questões sociais e culturais que nos constringem para mim pouca diferença fazem. No fundo eu aceito e (geralmente) até concordo com os princípios pré-estabelecidos: as regras de boa educação, os princípios ético-morais, os direitos e deveres político-sociais, por aí fora. Ter de trabalhar, ir à escola, levantar e deitar a certa hora e morar num sítio fixo não fazem de mim uma pessoa menos responsável pelos meus actos. Mas há coisas que me ultrapassam e hoje, finalmente, vou-me obrigar a pensar sobre isso.

Tenho uma tendência enorme para racionalizar e etiquetar tudo- quando me deparo com uma realidade nova (situação, pessoa, sentimento) o método é levantar questões, apalpar terreno, pensar, testar e concluir. Quase como o científico. Nada me desconserta mais que esbarrar com algo/alguém que derrube esta teoria. Por exemplo, quando experimentamos um desporto ao qual sempre achámos piada (ou mesmo de que nunca tenhamos ouvido falar), que até parece complicado, e de repente somos os maiores naquilo, sem como nem porquê. Ou quando nos cruzamos com alguém que não conhecemos de lado nenhum e temos a sensação de que sempre fomos amigos.

Depois ainda há um patamar pior, que é quando decidimos (por a+b ou simplesmente porque sim) que nos queremos afastar de uma realidade e enveredar por outra. Suponhamos que há uma escolha a fazer (queres um gelado de morango ou baunilha?), e nós lá escolhemos (morango, sff!). Ora, como diria o Toni, isto é só um suponhamos. Porque o gelado uma pessoa pede, come aquele e acabou. Mas há aquelas situações em que a vida parece decidida a escolher por nós: passe o tempo que passar, venha o que vier, havemos de cair na escolha que deliberadamente não fizemos. Conheço um casal que na adolescência tentou uma relação que não resultou. Teve influências de terceiros, depois deixou de ter, enfim, por uma série de acontecimentos cada um seguiu o seu caminho. Casaram (com outras pessoas), tiveram filhos, até perderam o contacto…uns anos depois vêm-se outra vez, começam a falar, e, pimba!, hoje estão juntos. Conheço quem sempre tenha sonhado ser médico, na altura não entrou, tirou arquitectura, estava bem no ramo e financeiramente estável…e aos 45 anos vai tirar medicina.

(“Quer morango ou baunilha?”

“Morango, sff!”

“Ora aqui tem a sua baunilha!”

“Não, não, eu disse morango!”

“Ora, pois, exactamente! Baunilha, como pediu!”)

E depois, tcharan!, a baunilha até se calhar nos sabe melhor. Ou talvez não, não sei. Volto àquela dúvida: será que é porque ao escolher optei pelo mais fácil, mas no fundo sei que o melhor é que me vai fazer feliz? É um bocado perseguição do subconsciente, estar permanentemente a atirar com a hipótese que recusei…será?

Custa-me muito a admitir, mas sim. Acredito num destino traçado. Não por não poder fazer a escolha, porque posso, mas porque algumas coisas são certas para cada um de nós, sem precisar de motivo, explicação ou sentido. Algumas realidades encaixam tão bem que não há como resistir, quer queiramos (mesmo que seja por muito bons motivos!), quer não. Uma vez encontradas, até posso fugir. Até posso fingir. Mas sei que elas lá estão, no escuro, bem no fundo do armário, quietinhas, à espera que eu lá volte- elas não chamam, não provocam, mas eu sei que elas lá estão. É a questão temporal, também: elas fizeram sentido ontem, fazem hoje, e farão amanhã (exactamente do mesmo jeito). Um dia vou cair...e aí vai fazer sentido.

O pior? Sentir-me (quase) predestinada não tira sentido à minha vida. Posso sempre pensar o contrário: vivo para encontrar esse fado. Lutar contra ele talvez até possa ser giro, e sempre dá uma história para contar à mesa (Bolas, já estou tão farta de ouvir à mesa a história do tal casal, ao fim destes anos todos...).

Faz acontecer, que eu faço valer a pena. (Agora, e só depois de escrever isto tudo e de me obrigar a reflectir sobre o assunto, sei porque é que sempre gostei desta frase…)