segunda-feira, 26 de outubro de 2009

É não saber

Estar perdida não é não saber onde estou, é ter plena noção de que estou onde sempre estive e de onde não sei se conseguirei sair e ainda assim não encontrar nas coisas a reconfortante sensação de estar em casa.
É olhar para o espelho e não saber quem sou.
É enfrentar aquilo que dou como certo, e falo tanto do mundo real que me rodeia como daquele que criei com ideais e sentimentos, e ver que as muralhas seguras que tanto tempo levei a construir estão minadas de frechas assustadoras que revelam a proximidade iminente de queda, de desmoronamento…de desgraça.
Às vezes ouço as vozes, os risos, e sinto-me estranha em minha casa.
Às vezes é noite cerrada e o silêncio abate-se sobre as casas, e eu sou a única pessoa que parece não conseguir dormir.
Às vezes faltas-me tu e eu sinto-me um holograma intermitente e desfocado, fazendo malabarismo num circo decadente.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Entre mim e eu


A noite uiva e o frio cortante aperta os sentidos e embala a mente num descanso torpe. A minha visão afiada capta, por entre as pontiagudas partículas de água que cerram o horizonte, sombras difusas que correm por entre as árvores, para um mar de neblina. Não é o rio que ouço, não são os pássaros. Não sei o que é. A pele do meu pescoço arrepia-se e eu passo-lhe a mão por cima, como se isso pudesse afastar o medo.
E de repente as minhas pernas correm com a determinação, a velocidade e a força de um felino. De repente as minhas roupas rasgam-se e caem do meu corpo molhado. De repente os meus braços estão também no chão, as mãos abertas, o tronco ágil. Os raios iluminam o caminho que percorro sem pensar nem querer, os trovões rebentam mesmo por cima de mim e o estrondo faz tremer o solo lamacento.
Parei ao pé do rio. A chuva caía na água com força e turvava o reflexo que eu lhe impunha. Não me mostrava aquilo que eu queria ver, embora nem eu soubesse bem o que era. Num impulso de loucura mergulhei. O meu corpo nu enrijeceu ao embater na baixa temperatura que fazia arder a pele. Abri os olhos, tingidos de vermelho, e a visão desfocada apenas me mostrava um azul dançante, leitoso. Emergi e inspirei a plenos pulmões, com a raiva de quem grita. A chuva mostrou-se impiedosa, e um trovão ergueu a sua voz bem acima da minha.
Estendi-me na margem lamacenta, pouco me importando com as manchas escarlate que surgiam aqui e além, deixando a cabeça tombar no chão. Uma comichão, indolor mas intensa, instalou-se nas minhas costas e lá ficou, a moer.
É então que a chuva pára, e sinto-me mais leve. Quando me levanto, lentamente, sei que sou capaz de mais. Ergo a cabeça e os braços para o céu, e, sem surpresa, sinto-me levantar. Rodopio e sei que voo, sei que sorrio, que as raízes que me seguram à terra não levaram a melhor. Olho para baixo, para todas as coisas pequenas que agora jazem a meus pés. E já vejo o meu reflexo na água.