terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Andámos

Esperamos meses a fio, numa dormência articulada, por que a vida faça sentido. Mas ela não faz. E, ainda assim, vale cada dia torpe em que arrastamos corpo e alma.
Andámos. Estava tanto frio que mal sentia as mãos, mas o fogo cá dentro disse-me que não fazia mal. Vi o bafo quente sair-te da boca e subir no ar. E sorri. Faz-me lembrar os romances de Zafón, uma época esquecida mas que aquece a alma. Fomos andando, falando e rindo, vendo os ponteiros girar e deixando passar caravanas. Sei que me faltou o ar, que o coração me bateu na garganta, e que nada do que disse foi o que realmente quis saber.
Vi quilómetros pelos teus olhos. Preenche-me uma calma que não sei descrever: como que uma paz interior, mas ao mesmo tempo uma ânsia de mais. Como se fossem os teus passos que me oxigenassem o sangue.
A dada altura não soube se ainda tinha nariz. O ar que respiro queima. Tremem-me as mãos, e também tenho dúvidas acerca do motivo para isso. Cada vez que te olho parece a primeira: há sempre uma nova linha de expressão, um brilho no olhar, um segredo no sorriso.
Quis dizer-te que não acredito no amanhã. O meu reino por “aqui, e agora”. Quis uma cama quente; não quis deixar de andar ao teu lado, com medo de quebrar o momento. Temi que se te tocasse o espaço que deixaria de existir entre os nossos corpos passasse a separar os nossos caminhos. Fundi passado e presente, e odiei um futuro que não incluísse esta duplicidade.
Andamos um pouco mais. Os cães ladram. Os ponteiros batem. Vi, enfim, a porta. Agora o tempo escorre-me por entre os dedos como areia. A velha amiga já tem as minhas impressões gravadas nos veios da madeira, e chama por mim no silêncio da noite.
Parei, com as palavras entaladas na garganta- achei que se as deixasse sair haviam de tropeçar em sístoles e diástoles. Ainda estava a tentar perceber onde colocar os olhos quando me pegaste no queixo, me olhaste para a alma e me explicaste o que era amar. E deixei de sentir frio: de repente sentia cada centímetro da minha pele mais quente e vivo que nunca.
Um momento. Um beijo. Faz acontecer que eu faço valer a pena.