Falemos de pessoas. De mim, de ti, de nós, dos outros. Falemos
do que nos define. Daquilo que somos.
Falemos de medos, de raivas, de paixões, desejos e vontades.
De instintos. De máscaras. Falemos de loucura, de ilusão, de presente. De passado.
De futuro.
Senta-te ao meu lado. Vamos deixar o sol ir embora. Quero sentir
o frio a apertar.
Vês passar as pessoas? Almas vazias, frias, sem bálsamo. Monos.
Marionetas. Incapazes de viver, porque não amam. Incapazes de amar, porque não
sentem. Incapazes de sentir, porque não cedem. Incapazes de ceder, porque estão
enjaulados. Já nasceram presos. Tristes. É vê-los passar e sentir o cheiro do
medo. No olhar, só névoa. Nos lábios, cadeados. Palavras ocas, frases feitas,
meias verdades. São só corpos, carcaças. Embalagens bonitas, publicidade
enganosa. E alguns nem isso. Todos iguais. Irritam-me os outros. E entristecem-me,
também.
Falemos de mim, agora que os outros já estão nos seus
buracos. Sou louca. Sou livre. Sou eu. Faço o que quero, porque já fiz o que me
mandaram e não gostei. Vivo o que sinto, porque o ético e o moralmente correto
foram inventados por idiotas manipuladores. Porque tudo é sujo, aos olhos dos
outros. Porque, aqui e agora, ser fiel a si mesmo é estar errado. Porque a
paixão virou tabu. E eu sou de paixões, sou da tribo dos intensos, sinto ao
máximo. Claro que a queda é maior. É o equivalente à subida. Sou calma, sou
paz. Sou equilibrada. Só não chegues muito perto.
E tu? Tu és fogo. Tu consomes, tu devoras. Vives para lá do
limite. Desafias o jogo, não as regras. És uma overdose de tudo. A explosão dos
sentidos, e o vazio de sentido. És o desafio, um catalisador. Ladrão de
certezas. Fonte de luz.
Somos vida. Força, foco, fé. Somos reais, sem mais nem
menos. Somos donos de insanidade lúcida. Talvez mesmo da pouca verdade que
exista. Dicotomias. Paradoxos. Paradigmas. Encruzilhadas.
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso”