terça-feira, 27 de julho de 2010

Dead end


Ele olhava-a descaradamente, sem medos nem pressas, esculpia na sua mente cada centímetro do corpo dela, e sorria, sorria com os olhos fixos nos dela, fundos, brilhantes, hipnotizados. Ela adorava. Sentia um formigueiro por dentro, enchia o ego com a devoção dele, jogava com aquela paixão deliberadamente porque sim, porque a excitava, lhe dava prazer, a fazia sentir especial e deixava as outras mulheres roídas de ciúme. Sorria-lhe de volta, meio de soslaio, aquele sorriso secreto que era ao mesmo tempo a mais genuína e a mais falsa face de si mesma. Ninguém sabia. Muitos desconfiavam.
Ele agarrava-a. Longe do mundo pegava-lhe na mão e levava-a a passear, puxava-a com força mas sem brusquidão para si e segurava-a no seu abraço quente, forte, irresistível. Ela deixava. Punha as mãos no cabelo dele e deixava-o fluir-lhe entre os dedos, esticava o pescoço para trás com lascívia, olhos fechados enquanto os lábios dele a levavam onde mais ninguém a levava. As mãos dele estavam ávidas, faziam circuitos nas ancas largas dela, subiam pelas costas, marcavam-lhe a cintura, agarravam-lhe o rabo. Ela gemia louca de prazer já sem noção de quem era e de onde estava, puxava o rosto dele contra o seu e beijava-o com paixão, a sua língua enrolada na dele, mordiscando-lhe os lábios carnudos, sentindo o coração dele disparar no seu peito, sentindo-o mais excitado, mais louco por ela, mas preso naquela teia.
Eram um só, fundidos num abraço ardente, um universo paralelo que surgia aos olhos de quem os visse como um holograma, visível mas inatingível, indecifrável, longínquo e distorcido.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Desabafo


Estou cansada. Estou farta dos dias e das horas, dos rostos e dos gestos, das vozes e dos olhares. Estou tão saturada do mundo quanto ele está de mim. Tenho ganas de fugir daqui, mas não há como, parece que a imundice está por todo o lado. Este lixo que se arrasta pelas ruas como bosta no esgoto, que desfila na passerelle como se estupidez fosse moda. Só mudam as moscas. Só mudam as putas das moscas.

Não me fechem os olhos...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Ilusão


Abrem-se as portas da alma com estrondo e soltam-se as vozes do espírito que urram blasfémias e impropérios. Liberta-se a revolta pelos poros e pela língua, apodera-se do corpo a insanidade da mente. As mãos rasgam a roupa como quem funde metal, a pele ferve sob o suor, a fera cresce.

Sinto no peito uma dor dilacerante e levo a mão ao tronco, um breve reflexo do desespero que no fundo ainda sinto, mas que em breve passará. Os olhos soltam faíscas mas há muito que não vejo, sinto-me cair dentro de mim, e de repente já não sou eu.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Bifacial


Estava habituada à minha máscara, de certa maneira as suas formas tinham-se fundido com as minhas e ela já era um misto de nós duas, como se já não houvesse máscara nem Rita, mas uma nova Rita, que tinha aprendido a viver com o mundo, que adoptara a sua personagem pela vida fora.
Agora a minha máscara caiu. Primeiro estalou, transpareceu o brilho nos olhos, o medo de ser real. Senti-me tremer, não ela mas eu, arrepiei-me de dentro para fora, o coração gemeu. Virei costas e fugi assustada com os meus próprios pensamentos. Segurei na máscara com as duas mãos, e senti que ela quebrava. Deixei um rasto de pedaços de mim, ou assim o julguei, enquanto corria para me esconder.
No meu esconderijo as paredes olhavam-me apreensivas. O próprio ar que consumia parecia diferente, explorava-me as entranhas e deixava o gosto doce do pecado, incitando-me a parar de lutar, a não ter medo, a viver. Deitei-me no chão de corpo esticado e alma estendida. Cada centímetro meu cedeu à mudança que me estava a dominar.
Quando me levantei mal pude acreditar. O meu novo eu era uma parte de mim há muito esquecida, que escondi quando ainda não tinha idade para entender o porquê de não a querer por perto. Lembro-me do tempo que demorei a decidir que não queria ser assim. Agora estou desconfortável. Não sei lidar comigo. Não quero responder aos pedidos do meu corpo, simplesmente não posso prestar-me aos meus pensamentos. Não, não, não. Fecho os olhos com força e agarro os cabelos com as mãos, quero sugar-me de dentro para fora.
Hoje estou confusa. Sinto-me mudar da noite para o dia, perco o controlo de mim para esta nova máscara que em tudo não encaixa, que me sufoca. Quero pedir ajuda e não consigo. Estou a ceder cada vez mais, cada vez me encontro menos.


Warning: If you find Rita out there, please take care of care of her. Please help her. Please, STOP HER!