terça-feira, 24 de maio de 2011

Roda roda vira

Vou ruminando os dias com um misto de felicidade e aborrecimento; é certo que este calor e ausência de roupa contribuem para a minha boa disposição, mas por algum motivo que desconheço o meu âmago quer mais. Esta talvez não tenha sido a minha melhor metáfora- a conotação da vaca associada à nudez dos corpos vai provavelmente suscitar reacções indesejadas-, portanto uma melhor expressão seria “os dias chiclete”. Sim, como na música. Prova, mastiga e deita fora.

Não me interpretem mal, por mim poderia ser verão todo o ano. Fico extremamente feliz por chapinhar com os amigos; aliás, na maior parte dos dias deito-me e levanto-me com a sensação de que tenho tudo o que preciso. Mas naquela pequenina parcela em que acordo com o pé de fora, torço o nariz e formam-se nuvens cá dentro. A minha dúvida refere-se à futilidade desta felicidade. O verão é uma espécie de cadeia de fastfood gigante, elevada a um expoente máximo; eu sou aquela pessoa que depois de uns dias a comer hambúrgueres sente saudades de um peixinho grelhado. A questão é que é tudo tão fácil, de aspecto tão imaculado e sabor delicioso que uma pessoa tende a desconfiar de que algo está errado. Na minha vida há mais feitos heróicos e aventuras incríveis numa semana de Junho que no Inverno inteiro; por algum motivo passo meses frios a ver gente feia e mirradinha, adoentada e com olheiras, e de repente distingo na mesma multidão deuses do Olimpo, actores de cinema e modelos de roupa interior. Mas esta gente está toda fechada a sete chaves em ginásios e spas até Abril? E onde andam as pessoas simpáticas, que dizem bom-dia a conhecidos e estranhos, quando troveja e há gelo nos passeios?

Estou mais uma vez a usar o blogue para vomitar as entranhas- algo que não tem o menor interesse. Deveria mastigar e engolir esta ideia, até porque assim que der um mergulho no mar o meu bom humor volta, saltitante. Enerva-me: nunca consegui distinguir a minha faceta mais forte. O meu lado lunar e solar não se dedicam a aniquilar o inimigo: andam de mãos dadas, brincam juntos e são felizes. Não conheço absolutamente mais ninguém com gostos tão díspares e personalidade tão versátil. “Antigamente era esquizofrénica; agora estamos óptimos!”- é mais ou menos assim a minha vida.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Ponto e vírgula

Hoje, totalmente em desacordo com o boletim meteorológico, está um dia lindo lá fora; vou, contudo, ficar em casa. Preciso de pensar, de ouvir um pouco de música (daquela animada!), de dedicar umas horinhas a ser mulher; afinal de contas, nos últimos tempos tenho ficado em último lugar na minha lista de prioridades. Se te dou atenção e me preocupo sou uma chata; se não te ligo nenhuma já perdi o interesse por ti. Se fico em casa sou uma desocupada, estou a fazer chantagem emocional e não aproveito a vida; se saio com os meus amigos já ultrapassei a dor e estou a seguir em frente depressa demais. Se estou triste ando sempre mal humorada, até incomodo as pessoas; se me rio à gargalhada, canto, danço e salto à corda devo ser maluquinha da cabeça. Já não entendo o teu ponto de vista, já não suporto fazer tudo errado, ser presa por ter cão e por não ter, não dar uma para a caixa; contudo amo-te hoje mais do que nunca e, contra todas as expectativas, não quero mais nem menos do que estar ao teu lado.

Comecei o dia por um longo e relaxante banho de espuma, sem pensar na ecologia nem na crise; hoje vou filtrar essas preocupações agoniantes. Vesti-me, tomei o pequeno-almoço com calma e desliguei o computador e o telemóvel; nada de contacto com o exterior. Liguei a aparelhagem e logo a voz de Sade, doce e penetrante, me elevou a outro nível; ainda assim faltava qualquer coisa. Sequei o cabelo, pintei as unhas, actualizei o meu blogue, almocei...aquele vazio nunca me abandonou, nem por um segundo, foi, aliás, aumentando; no fim, a cabeça já me doía e eu sem saber o que me faltava.

Bateram à porta; estranhei, porque a campainha não tocou, simplesmente alguém estava a dar com os nós dos dedos na madeira da minha porta, no quinto andar. Espreitei pelo óculo, perguntei alto “Quem é?” e baixei o volume da aparelhagem; nada, nem um som. Quando estava a começar a acreditar que algum dos filhos da vizinha devia andar a brincar no corredor e voltei para o sofá, bateram de novo, desta vez com mais força; abri a porta de uma vez e lá estavas tu, em pé, com um enorme ramo de flores a tapar metade do teu rosto. Naquela altura não sei o que me passou pela cabeça, posso apenas calcular o que pensaria alguém que por ali passasse nesse momento; saltei-te para o colo (sem nem te dar tempo de pousar as flores), a rir enquanto as lágrimas, de alegria, me escorriam pelas bochechas. “Amo-te”, disseste, baixinho, enquanto me apertavas contra o peito; foi o momento mais feliz da minha vida. Independentemente do que digam ou pensem de mim, do que revelem as minhas atitudes ou o meu carácter, eu sou louca por ti; é só isso que importa agora.


(trabalho para escrita criativa)