“E não se esqueça, venha ter comigo se quiser que lhe leia
as cartas.”
Vi-o ir embora e fitei-lhe as costas com vontade de o chamar
de volta. Porque até àquele momento ele não me pareceu real, mas ali… e então
desapareceu. Mas deixou-me o bichinho do destino, da sorte.
Cartas? Búzios, sina? Por estranho que pareça já achei a
ideia mais descabida. E, quem sabe, qualquer dia não passe lá mesmo.
Amaldiçoo quem me levou para longe os amigos. A porra da
solidão que me devora. Detesto o silêncio, o isolamento, sinto-os a comerem-me
as entranhas.
Penso demais. Falo demais. Cresce-me a raiva.
Preciso de ar. Ou de esvaziar a cabeça. Tenho meia dúzia de
soluções para ambos, nenhuma me parece muito adequada.
Quero correr. As dores no corpo ajudam a esquecer as outras.
Preciso de um anestesiante. De fitar o vazio sem pensar em nada. Bolas, preciso
de ajuda.
As imagens atropelam-se. Os sons, os cheiros. As dúvidas, os
medos, as inseguranças, os receios, até mesmo as (já poucas) certezas, os
sonhos e a fé. Está tudo misturado. O caos soltou o bicho, já não consigo
parar, já é mais forte que eu, já não vejo o que faço, por onde ando, já não
sei o que quero.
Olho-me no espelho e pergunto quem é esta. Arde-lhe uma
chama nos olhos. Tem um cadeado nos lábios. Não a reconheço. Nem por serem meus
os gritos dela.