Esperamos meses a fio, numa dormência articulada, por que a
vida faça sentido. Mas ela não faz. E, ainda assim, vale cada dia torpe em que
arrastamos corpo e alma.
Andámos. Estava tanto frio que mal sentia as mãos, mas o
fogo cá dentro disse-me que não fazia mal. Vi o bafo quente sair-te da boca e
subir no ar. E sorri. Faz-me lembrar os romances de Zafón, uma época esquecida
mas que aquece a alma. Fomos andando, falando e rindo, vendo os ponteiros girar
e deixando passar caravanas. Sei que me faltou o ar, que o coração me bateu na
garganta, e que nada do que disse foi o que realmente quis saber.
Vi quilómetros pelos teus olhos. Preenche-me uma calma que
não sei descrever: como que uma paz interior, mas ao mesmo tempo uma ânsia de
mais. Como se fossem os teus passos que me oxigenassem o sangue.
A dada altura não soube se ainda tinha nariz. O ar que
respiro queima. Tremem-me as mãos, e também tenho dúvidas acerca do motivo para
isso. Cada vez que te olho parece a primeira: há sempre uma nova linha de
expressão, um brilho no olhar, um segredo no sorriso.
Quis dizer-te que não acredito no amanhã. O meu reino por “aqui,
e agora”. Quis uma cama quente; não quis deixar de andar ao teu lado, com medo
de quebrar o momento. Temi que se te tocasse o espaço que deixaria de existir
entre os nossos corpos passasse a separar os nossos caminhos. Fundi passado e
presente, e odiei um futuro que não incluísse esta duplicidade.
Andamos um pouco mais. Os cães ladram. Os ponteiros batem. Vi,
enfim, a porta. Agora o tempo escorre-me por entre os dedos como areia. A velha
amiga já tem as minhas impressões gravadas nos veios da madeira, e chama por
mim no silêncio da noite.
Parei, com as palavras entaladas na garganta- achei que se as
deixasse sair haviam de tropeçar em sístoles e diástoles. Ainda estava a tentar
perceber onde colocar os olhos quando me pegaste no queixo, me olhaste para a
alma e me explicaste o que era amar. E deixei de sentir frio: de repente sentia
cada centímetro da minha pele mais quente e vivo que nunca.
Um momento. Um beijo. Faz acontecer que eu faço valer a
pena.