quinta-feira, 20 de outubro de 2011

São como as cerejas

“Gostava de saber no que estás a pensar.”

Ai não, não gostavas. Sorri e olhei para o lado, evitando a conversa e o pensamento. Havia de ser engraçado: por uma vez esquecer consequências, formalidades e normas e despejar tudo cá para fora. Bolas, sem limites! Havia de falar durante uma semana, nada de interrupções!

Para algumas ideias ainda teria de inventar palavras. Outras, nem com mímica conseguiria explicar. Entendam-me: no dia em que eu abrir a minha cabecinha para uma visita guiada os felizes contemplados saem de lá malucos. Não é por mal, mas se imaginarem a fábrica de chocolates Willy Wonka cruzada com a biblioteca do Cairo e a casa do terror que havia aqui na Feira Popular calculo que até percam até a vontade.

Estão a ver os Oompa-Loompas? E os Minions? Bem, eu tenho uns seres, também, andam algures entre esses dois. E eles funcionam como uma espécie de grilos da consciência, mas não dão propriamente conselhos: estão lá, mandam comentários e dicas (na maior parte da vezes idiotas), e fazem grandes representações dos assuntos sobre os quais estou a conversar num palco que tenho especificamente para isso. Portanto imaginem, eu estou a conversar –e isto acontece maioritariamente nas vezes em que o tema não me interessa/agrada/motiva- e vêm à baila, por exemplo, computadores. Ai, como eu detesto! Os meus “Oompa-Minions”, no seu dialecto muito próprio, sobem para o seu lugar sob as luzes da ribalta e representam brilhantemente um comédia nerd para uma assistência composta apenas e só por mim. E eu farto-me de rir, coisa que, infelizmente, não acontece só na minha cabeça (“Rita, estás-te a rir de quê?”- ai, se tu soubesses…).

Depois há todo o processo de filtragem a que procedo antes de dizer seja o que for. Eu penso demais: tenho ideias, opiniões, preconceitos e teorias sobre tudo. Uns são muito estúpidos, outros são muito íntimos, alguns chegam a sair cá para fora…mas a maioria dos pensamentos fica, e fica muito bem, no arquivo. Há segredos a manter. Há coisas que se na altura certa não vieram à baila, agora vão ficar para sempre a apodrecer na memória. Há implicações de terceiros. Há que saber, quando damos conselhos, distinguir aquilo que podemos dizer porque nos é vantajoso daquilo que realmente é útil e essencial para a pessoa que no-lo pediu. E bolas, há repercussões no futuro! Portanto sim, eu paro para pensar, fico com aquela cara que a maioria de vocês conhece e assumo uma expressão característica…mas, pelo amor de Deus, não me peçam para contar!

Quem ousa pedir…bem, então que se sinta preparado para arcar com as consequências. Porque eu posso querer conversar: no dia em que alguém me fizer sentir vontade de vomitar a alma poderei morrer em paz. Mas isto cá dentro é um circo, e vai ser precisa muita coragem para o desbravar.
Fico-me, na maioria das vezes, pelo silêncio agridoce. Sei que a expressão do olhar me trai, mas quanto a isso não há nada a fazer: ele não mente, nunca soube como o fazer.

(Não confundir conversar com falar. Eu falo que me desunho, a expressão “falar pelos cotovelos” quase podia ter nascido a pensar em mim. Mas o que eu realmente gosto –e preciso- é de ter conversas. Conversas longas e pausadas; conversas que dão três voltas ao âmago, ruminam meia dúzia de argumentos e lapidam conclusões geniais. Conversas daquelas que definem em pensamentos as pessoas que lá estão. Conversas que fazem amizades de minutos durar vidas inteiras. E essas conversas, minha gente, essas sim são como as cerejas: deixam água na boca, pedem por mais. Mas será que ainda tenho com quem conversar?)

1 comentário:

Mistério da Escrita disse...

No final deste texto maravilhoso deixa-te uma pergunta muito doce que para muitos pode ser uma pergunta amarga (porquê?) não me perguntes a mim. Não tenhas dúvidas, terás sempre com quem conversar, é nestas alturas em que eu gostava de ter poderes e fazer as vontades a algumas pessoas ou pelo menos, meter-te alguém a frente com quem pudesses ter 'Conversas que fazem amizades de minutos durar vidas inteiras'.