Quando Marta acordou sentia a cabeça zonza e mal conseguia abrir os olhos. Demorou ainda alguns minutos, rodeada por um silêncio sepulcral, até conseguir recuperar totalmente a sua consciência e aperceber-se de onde estava e porque estava ali. A sua boca fora tapada com um largo pedaço de fita adesiva, os pequenos pulsos e tornozelos estavam atados com corda grosseira que a feria quando se tentava mexer. Continuava na cave, junto à mesa central, e não havia vestígios do homem. Aos poucos lembrou-se de como se tinham desenvolvido os momentos que precederam o seu desmaio.
Ela gritava e debatia-se com todas as forças de que dispunha frente ao monstro que a agarrava e a impedira de fugir, quando de repente ele a puxou até junto de uma das prateleiras, resistindo a unhadas e dentadas que Marta deferia, em desespero. Da estante, o homem tirara uma seringa e agulha de hospital, ainda embaladas, e também um frasquinho com uma substância cujo rótulo não conseguiu ler e, ainda que tivesse conseguido, provavelmente não saberia para que fim era utilizado. Ele encheu a seringa com o conteúdo do frasco e, indiferente às guinadas que ela tentava dar para se soltar, imobilizou-a o melhor que conseguiu e espetou-lhe a agulha no braço. Daí caíra para o sono letárgico.
E agora ali estava. O braço ainda lhe doía um pouco, no lugar da picada, mas a dor era o menos comparada com o medo do que lhe podia acontecer, a incógnita de onde estava e por quanto tempo ali poderia permanecer, a impotência frente àquele homem maior e mais forte que ela.
***
Paulo estava sentado na sua poltrona, envolto nos seus pensamentos distorcidos, tentando delinear um rumo para a miúda que encontrara a espionar nas suas coisas. Que raio, detestava quando as coisas fugiam ao que tinha planeado. Não fazia ideia de onde a criança vinha, mas ela ia trazer problemas.
Não a podia libertar, ela de certeza tinha família e ia fazer queixa dele. Não tardaria a aparecer a policia e a levá-lo, desta vez para bem pior que um reformatório. Não, libertar a garota estava fora de questão. Podia mantê-la com ele, viva. Mas seria um fardo. Já era complicado ter comida e bebida em condições quando só para ele, seria praticamente impossível conseguir para duas pessoas. Para além de que a miúda não iria querer ficar de livre vontade, portanto não andaria solta nem seria nunca digna de confiança.
Só lhe restava uma hipótese, e só de pensar em executá-la Paulo estremeceu dos pés á cabeça. Sentiu-se envolver por um misto daquilo que reconheceu como sendo prazer, insegurança, tristeza e ódio. A rapariga estava de pijama, certamente seguira-o sem avisar ninguém, logo não havia como seguir o seu paradeiro se fosse dada como desaparecida. Tinham passado anos desde que Paulo sentira o gosto amargo de ter a vida de alguém a escorrer-lhe pelos dedos, e no entanto era como se cada dia tivesse congelado, a partir da morte de seu pai. Sangue. Morte. Destino.
3 comentários:
Adorei quando vi no e-mail "O domador de bonecas (parte 6)"...Estava mesmo desejosa de ver a continuação..E desejosa continuo ;)
Estou a ficar curiosa...
Beijos Rita.
Estou a adorar Ritinha. Beijinhos
Enviar um comentário