terça-feira, 1 de setembro de 2009

O domador de bonecas (parte 3)



Paulo vivia com a mãe, Sara, nas águas furtadas de um prédio localizado perto do centro da cidade. Segundo o que a mãe lhe contara há anos, quando ele notara a ausência do pai e lhe perguntara acerca do seu paradeiro, era órfão de pai. Este morrera tragicamente num acidente de viação. O assunto devia magoar ainda a sua mãe, porque esta desviava sempre o olhar quando ele vinha à baila. No fundo, não interessava, não era preciso deixar a mãe triste. Sara era uma mulher linda, sempre bem-disposta, que lhe dava tudo para o fazer feliz. Trabalhava de noite, fazia limpezas numa estacão de rádio. O horário era mau, mas dava-lhe todo o dia para cuidar de Paulo. Ele tinha uma adoração sem limites pela mãe. No fundo, quem nunca perdoara fora o pai, por ter partido sem o conhecer.
A ausência da mãe era muito custosa. Ela deitava-o, fazia-lhe companhia até ele adormecer (ou fingir que adormecia) e depois dava-lhe um beijo na testa, saia sem fazer barulho e apagava a luz fraca. A porta de casa batia e ele sabia que ela tinha ido trabalhar. “Ela volta…” era o que dizia a si mesmo, todas as noites. E ela voltava, cansada e de lágrimas nos olhos, todas as manhãs, acordava-o, dava-lhe banho e pequeno-almoço e levava-o à escola, enquanto se esforçava por sorrir e fazê-lo sentir bem.
Um dia, já com 7 anos, estava deitado na cama mas não conseguia dormir. Os vizinhos estavam a discutir furiosamente e os gritos e estoiros de loiça a quebrar ecoavam pelo prédio, incessantemente. Pouco passava da meia-noite quando outras vozes se juntaram ao rol. Estranhamente, reconheceu a de sua mãe. De imediato, levantou-se da cama, correu para o hall da entrada e encostou o ouvido à porta. Para além da voz de Sara, ouvia-se também uma voz grossa e torpe de homem já muito embriagado.
“Anda cá, porca, não penses que me esqueço de ti!” dizia o homem.
“Larga-me! Saí da minha vida, já te disse, vai-te embora!” respondia a voz entrecortada e ofegante da sua mãe, enquanto subia a escada.
Sara atingiu o patamar e Paulo, de olhos esbugalhados pela surpresa e pelo medo, abriu-lhe a porta. Quando deu conta de que o filho a olhava, chocado, chorou. As suas roupas em nada pareciam as habituais. Estava quase despida, com uma saia muito justa que mal lhe tapava o rabo e lhe deixava as coxas à vista debaixo de collants de seda esgaçadas e um top curtíssimo e colado ao corpo, sem sutiã por baixo. “Desculpa…” balbuciou baixinho, enquanto que o seu seguidor chegava, com dificuldade, ao topo das escadas.
O bêbado chegou ao pé de Sara e esbofeteou-a.
“É este?” perguntou-lhe “Responde-me, vadia! Ah, nem te dês ao trabalho. Já vi pelo teu choro que sim… Oh, tu aí! Ainda por cima és franzino, sais á tua mãe. Sou teu pai. Cliente tão assíduo desta cadela que a deixei prenha… Já passaram 7 anos e ela insistia em não me dizer onde estavas…tive de a seguir, pois claro!”
Paulo não teve reacção. Percebeu que também chorava quando sentiu o gosto salgado das lágrimas a escorrer-lhe por entre os lábios para dentro da boca, seca com o susto, com a dúvida e o ódio por aquele estranho. De repente viu a mãe atirar-se àquele homem de quem nem sabia o nome. Ele estava bêbado, é certo, mas era muito mais forte que ela. Numa questão de segundos dominou-a e, sem pensar duas vezes, atirou-a pelas escadas. Paulo, inerte, de olhar parado, distante, e semblante gelado, nada fez. Ficou parado, enquanto o bêbado se inclinava no vão da escada para ver os efeitos do seu golpe. O baque do corpo da mãe a rebolar pelas escadas e o estalar de madeira velha e podre parou.
“Olha que a avaliar pela poça de sangue que se está a formar à volta dela ficámos sem o lado feminino desta família tão unida… É pena…era uma gaja boa e uma boa gaja!”
Paulo sentia o cheiro ácido do álcool de longe, aliás, este já empestava todo o patamar. Não sabe que força o moveu quando, enquanto o homem se debruçava de novo, correu para ele e o empurrou com todas as suas forças. Cedo as mãos se lhe mancharam de sangue.

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