A um canto aninhada, encolhida sobre si mesma envolvendo as pernas com os braços, Marta estava aterrorizada. Tremia e choramingava. Não conseguia parar de fitar os rostos frios e sem vida que a atormentavam de todos os cantos parecendo gritar o seu nome. Não sabia nem queria imaginar o que poderiam conter as caixas e sacos que jaziam ao seu lado na estante, impávidos, emanando um fedor a sangue. À mísera luz azulada daquele candeeiro, chegava a parecer uma das próprias bonecas, em tamanho real, que ganhara vida e esperava a sua mutilação.
Tão perdida estava nos seus pesadelos e nas igualmente terríveis imagens que a rodeavam e atormentavam que não soube quanto tempo passou até que ouviu ranger uma porta mal oleada. Um aperto maior dominou o seu coração de modo a que, de tanto saltar, ele parecia querer sair pela boca. Rangeram umas escadas nas quais não tinha ainda reparado, escondidas na penumbra por detrás da estante enfrente àquela em que se encontrava sentada e acendeu-se uma forte e brilhante luz branca na cave. Primeiro viu os pés que soube serem do homem manco. Tinha calçadas umas botas rotas e gastas que deixavam também visíveis umas meias sujas por debaixo. Dos pés às pernas pouco durou, e logo o homem aparecia inteiro no seu campo de visão, com a mesma mochila que a levara a segui-lo.
De perto ele era ainda mais horrendo que de longe. A sua cara era digna do pior dos vilões do cinema. Nela habitavam todo o tipo de cortes recentes e velhas cicatrizes, juntamente com sujidade tanto de pó e comida como de sangue. Mas as próprias feições em si, se alguma vez haviam sido belas, há muito o tinham deixado de ser. Os olhos eram pequenos, escuros, brilhantes, frios e impenetráveis, como os de um animal selvagem. A barba densa e o bigode tapavam a maioria do rosto, deixando apenas de fora um nariz grande, maçãs do rosto com vestígios de bexigas e uma testa quase inteiramente ocupada pelas sobrancelhas. O cabelo, mal cortado e colado em madeixas de tão sujo, deixava aparecerem orelhas grandes, uma das quais a que faltava um bocado que parecia ter sido arrancado por uma dentada. A pequena conseguia também ver-lhe as mãos, saídas dos punhos sem botões da andrajosa camisa. Eram demasiado grandes para a altura do homem, e estavam também elas sujas e repletas de cortes. As unhas, enormes e amareladas, pareciam garras de lobo. Mas foi a enorme faca que lhe saia como uma extensão da própria mão que fez com que Marta, paralisada de medo, não conseguisse mais conter o grito que lhe aflorou á garganta.
Paulo foi invadido pela surpresa quando viu sentada na sua estante de troféus uma criança de pijama e olhos inchados de chorar. Não sabia como raio ela lá tinha ido parar, mas uma coisa era certa, tinha de sair, já, depressa e calada. Não soube o que fazer nem o que pensar, aquele momento parecia-lhe um insólito.
O homem estava parado, a olhar para ela, a uma distância de poucos metros que deixava Marta totalmente exposta. Mas ele parecia saber tão bem o que fazer quanto ela. Num rasgo de esperança passou-lhe pela cabeça a ideia tresloucada de sair de novo pela janela e correr sem parar todo o caminho que a separava de casa, do calor do abraço do seu pai. E assim que o pensou mais depressa o fez. Largou a correr para o sítio onde sabia estar a janela, pulou e agarrou o parapeito sujo à primeira.
Os olhos quase lhe saltaram das órbitas quando viu a miúda num ímpeto acelerar para a pequena janela da cave. Mas ela cabia ali? Onde pensava ela que ia? O que raio se estava a passar? Tinha de a agarrar enquanto era tempo.
As mãos agarram-na pelos tornozelos enquanto Marta fazia força com os braços para se conseguir içar inteira para fora daquele lugar. Marta gritou e esperneou tentando livrar-se dos dedos que a seguravam firmemente, mas de nada adiantou, estava bem presa e o homem começava a puxá-la com força para baixo. A rapariga ficou com as mãos arranhadas e ensanguentadas de lutar por conseguir ficar agarrada ao parapeito, mas em poucos segundos estava já nos braços do homem, que a virou de frente para si e a fitava directamente nos olhos. Marta gritou e gritou, cuspiu-lhe a cara e mordeu-lhe os braços, mas ele parecia indiferente à dor e nem sequer a sua expressão se alterava quando os golpes eram desferidos.
Paulo não sabia o que pensar acerca da pequena criatura que se deparava à sua frente, frenética, decidida a magoá-lo e a conseguir fugir em liberdade. A criança estava cheia de medo e temia por todos os lados, mas lutava com a força de um guerreiro. Demorou a dominá-la. Mas não podia mais permitir que voltasse a tentar escapar. Marta tinha o destino traçado: ia ser amarrada.
Tão perdida estava nos seus pesadelos e nas igualmente terríveis imagens que a rodeavam e atormentavam que não soube quanto tempo passou até que ouviu ranger uma porta mal oleada. Um aperto maior dominou o seu coração de modo a que, de tanto saltar, ele parecia querer sair pela boca. Rangeram umas escadas nas quais não tinha ainda reparado, escondidas na penumbra por detrás da estante enfrente àquela em que se encontrava sentada e acendeu-se uma forte e brilhante luz branca na cave. Primeiro viu os pés que soube serem do homem manco. Tinha calçadas umas botas rotas e gastas que deixavam também visíveis umas meias sujas por debaixo. Dos pés às pernas pouco durou, e logo o homem aparecia inteiro no seu campo de visão, com a mesma mochila que a levara a segui-lo.
De perto ele era ainda mais horrendo que de longe. A sua cara era digna do pior dos vilões do cinema. Nela habitavam todo o tipo de cortes recentes e velhas cicatrizes, juntamente com sujidade tanto de pó e comida como de sangue. Mas as próprias feições em si, se alguma vez haviam sido belas, há muito o tinham deixado de ser. Os olhos eram pequenos, escuros, brilhantes, frios e impenetráveis, como os de um animal selvagem. A barba densa e o bigode tapavam a maioria do rosto, deixando apenas de fora um nariz grande, maçãs do rosto com vestígios de bexigas e uma testa quase inteiramente ocupada pelas sobrancelhas. O cabelo, mal cortado e colado em madeixas de tão sujo, deixava aparecerem orelhas grandes, uma das quais a que faltava um bocado que parecia ter sido arrancado por uma dentada. A pequena conseguia também ver-lhe as mãos, saídas dos punhos sem botões da andrajosa camisa. Eram demasiado grandes para a altura do homem, e estavam também elas sujas e repletas de cortes. As unhas, enormes e amareladas, pareciam garras de lobo. Mas foi a enorme faca que lhe saia como uma extensão da própria mão que fez com que Marta, paralisada de medo, não conseguisse mais conter o grito que lhe aflorou á garganta.
Paulo foi invadido pela surpresa quando viu sentada na sua estante de troféus uma criança de pijama e olhos inchados de chorar. Não sabia como raio ela lá tinha ido parar, mas uma coisa era certa, tinha de sair, já, depressa e calada. Não soube o que fazer nem o que pensar, aquele momento parecia-lhe um insólito.
O homem estava parado, a olhar para ela, a uma distância de poucos metros que deixava Marta totalmente exposta. Mas ele parecia saber tão bem o que fazer quanto ela. Num rasgo de esperança passou-lhe pela cabeça a ideia tresloucada de sair de novo pela janela e correr sem parar todo o caminho que a separava de casa, do calor do abraço do seu pai. E assim que o pensou mais depressa o fez. Largou a correr para o sítio onde sabia estar a janela, pulou e agarrou o parapeito sujo à primeira.
Os olhos quase lhe saltaram das órbitas quando viu a miúda num ímpeto acelerar para a pequena janela da cave. Mas ela cabia ali? Onde pensava ela que ia? O que raio se estava a passar? Tinha de a agarrar enquanto era tempo.
As mãos agarram-na pelos tornozelos enquanto Marta fazia força com os braços para se conseguir içar inteira para fora daquele lugar. Marta gritou e esperneou tentando livrar-se dos dedos que a seguravam firmemente, mas de nada adiantou, estava bem presa e o homem começava a puxá-la com força para baixo. A rapariga ficou com as mãos arranhadas e ensanguentadas de lutar por conseguir ficar agarrada ao parapeito, mas em poucos segundos estava já nos braços do homem, que a virou de frente para si e a fitava directamente nos olhos. Marta gritou e gritou, cuspiu-lhe a cara e mordeu-lhe os braços, mas ele parecia indiferente à dor e nem sequer a sua expressão se alterava quando os golpes eram desferidos.
Paulo não sabia o que pensar acerca da pequena criatura que se deparava à sua frente, frenética, decidida a magoá-lo e a conseguir fugir em liberdade. A criança estava cheia de medo e temia por todos os lados, mas lutava com a força de um guerreiro. Demorou a dominá-la. Mas não podia mais permitir que voltasse a tentar escapar. Marta tinha o destino traçado: ia ser amarrada.
2 comentários:
Tenho seguido com curiosidade este "domador de bonecas". Espero a continuação...
Um beijo Rita.
Também estou curiosa quanto ao que se segue! Beijinhos Ritinha. P.s. : adoro os teus textos
Enviar um comentário