Um estímulo é suficiente para desencadear a reacção suspensa no tempo e no espaço, mesmo quando pensamos que o que já foi passado está. É hora de ponta no metro, o sobrelotado e caótico tumulto já tão habitual que quase não dou por ele, numa segunda-feira comum, arrastada e sonolenta como as demais.
Mas meia dúzia de acordes melódicos reproduzidos pelo fiel Ipod para os auscultadores, e destes para mim, bastaram para que de um único golpe a dor atacasse impiedosa, sem me dar azo a defesa. Procurei, inutilmente, esconder as lágrimas que me enchiam os olhos por detrás de óculos escuros, mas poucos foram os segundos passados até que o dilúvio natural embaciasse as lentes de tal modo que, de tão turva, a visão se tornou impossível. Talvez não devesse ter dormido...a inconsciência torpe da ressaca, do cansaço, do peso das pálpebras, o fulgor da vitória no negócio que é a bola e a leveza incorpórea que o álcool proporciona sempre serviram para me deixar em transe hipnótico, caos orbital. Agora, não tenho outro remédio senão aceitar a sobriedade.
Incomoda-me a gente; não por olhar para mim, na verdade poucos se dignam a fazê-lo, mas simplesmente por existir, por estar ali e por ter acesso à minha fraqueza sem que eu assim permita. Mas esse incómodo nada mais é que um pequeno comichão discreto quando comparado com a mágoa, que alastrava a cada lágrima e parecia disposta a tomar-me de todo.
Tive medo e hesitei. Não quis sair do metro, mecânico paraíso cinzento de aço, acolhedor retiro para quem, na obrigação de estar entre os outros, se queira sentir isolado. Faltou-me coragem para enfrentar aqueles que, mais que não fosse por rotina, iriam notar o meu comportamento e, mais que não fosse por curiosidade, iam ser inoportunos e inconvenientes ao fazerem perguntas sem a menor probabilidade de receberem resposta verdadeira. Faltou-me coragem para expor, de cabeça erguida, a vermelhidão dos olhos, que ardem e não mentem, mesmo quando todo o resto do meu ser transparece naturalmente as mais diversas ilusões premeditadas.
Tive medo e hesitei. Não quis sair do metro, mecânico paraíso cinzento de aço, acolhedor retiro para quem, na obrigação de estar entre os outros, se queira sentir isolado. Faltou-me coragem para enfrentar aqueles que, mais que não fosse por rotina, iriam notar o meu comportamento e, mais que não fosse por curiosidade, iam ser inoportunos e inconvenientes ao fazerem perguntas sem a menor probabilidade de receberem resposta verdadeira. Faltou-me coragem para expor, de cabeça erguida, a vermelhidão dos olhos, que ardem e não mentem, mesmo quando todo o resto do meu ser transparece naturalmente as mais diversas ilusões premeditadas.
Arrastei-me em marcha fúnebre, cada passo mais lento e pesado que o anterior, até onde o confronto directo era inevitável; senti o tormento doloroso das correntes a arrastar no chão e, tal qual ré declarada culpada por confissão, subi as escadas (que, apesar de serem apenas do edifício, bem podiam ser do purgatório), abstraída do cenário envolvente. Não tinha o coração nas mãos: infelizmente para mim, ele estava bem distante daquele local, a salvo daquela vergonha mas preso a um tormento bem maior, sem hora marcada para julgamento final.
“Tudo passa com o tempo”, ouvi alguém dizer, certamente com a melhor intenção. O problema reside noutro hemisfério: é que existir uma solução é diferente de a encontrar, e o facto de sabermos que o relógio não pára não atenua a dor do momento nem consola a memória. A quem sente e sabe mostrar que o faz, não peço palavras: quis o destino que delas tivesse eu o dom, às vezes até demasiado explícito. Assim, embora na sombra deste diário disfarçado, agradeço os olhares de verdadeira preocupação, os sorrisos de imensurável ternura e os abraços de força dos poucos que, sensatos, me entenderam e aceitaram. Todos os outros, repúdio e desprezo: para mim não são mais que matéria em movimento, forma errónea e pouco criativa de ocupar espaço, opacos obstáculos ao esplendor do horizonte.
Agora, teimosa, de coluna torta e pernas dobradas, refugio-me no pensamento que não consigo afastar. Roo as unhas, ciente de que me vou arrepender; cerro os olhos com força na tentativa falhada de atenuar as dores de cabeça. A memória aponta o dedo, e a razão faz o seu papel. Devia ter pensado que o Tim, antes de dizer “quero-te tanto”, referiu nunca ter dado um passo que fosse o correcto, nunca ter feito nada que batesse certo. Ou talvez apenas precise de me acalmar…afinal, neste circo eu sou uma das feras.
4 comentários:
Mesmo quando parece que a vida não nos sorri, há pormenores que alegram um pouco o dia. Agarra esses abraços. Guarda-os, são teus e são para te fazer feliz.
Gosto de ti minha querida.
(O meu gigantesco obrigada à Gabriela pela mensagem amorosa que fez questão de me mandar, quando eu nem sabia que ela frequentava estes lados! Beijos gaja, gosto de ti!)
Olá
Abri casualmente o seu blog.
Surpreendeu-me o tipo de escrita, relativamente à idade.
Com os meus 63 anos, aprecio muito a juventude com capacidades e sobretudo com um "EU" capaz de gritar bem alto.
Convivi e ainda faço hoje por isso, com muitos jovens. Vivi os seus problemas, alegrias e sicessos. Tomei por vezes as rédeas de algumas vidas.
Tenho, para já em mente, um grande livro do jovem, escrito com palavras de carinho e sobretudo resultantes de muitas horas de convívio e reflexão.
Que diz???
Será que gostava de passar pelo meu blog e decidir se eu poderia fazer parte dos seus favoritos?
A mim agrada-me a hipótese.
Fico à espera do seu querer.
Até lá
Um abraço
Licas
ate mesmo na mais plena escuridao se consegue ver algo, ou pelo menos, sentir!!sentir e tudo o que importa, seja tristeza ou alegria!isto lembra nos que estamos vivas!!
e com o tempo tudo acaba mesmo por voar!
este blog e sem duvida
um dos meus cantos preferidos!
beijinhosssss toto -)
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