Estou sentada num comboio vulgar, talvez demasiado vazio, com um caderno apoiado nas pernas dobradas, óculos escuros postos, olhar perdido, focado na paisagem disforme. Tenho uma caneta Bic na mão, e distraidamente vou-lhe roendo a tampa, enquanto espero que a mente esteja suficientemente vazia para que as palavras surjam.
De repente, ao dar-me conta de que concentrar-me naquelas condições seria impossível, sorri. Do meu mp3 brotavam as notas puras, de timbre característico, da eterna e inconfundível flauta-de-pã. Se fechasse os olhos via, em câmara lenta, os Andes bem à minha frente, a sua harmonia plácida, a sua calma resplandecente, o seu esplendor sábio. Se os mantivesse fechados e me deixasse levar pela melodia que deslizava para os meus ouvidos podia ver bem na minha frente os rostos morenos dos ameríndios: o seu negro olhar penetrante e inteligente, o seu imponente e magro nariz adunco, o liso e preto cabelo comprido, ao vento, enfeitado com os mais variados pendentes coloridos.
Abro os olhos, na sombra das lentes que impedem a minha observação de ser percebida. À minha volta há prédios altos, uns luxuosos e pintados de fresco, outros bem antigos, rachados pelo tempo e corroídos pela humidade, entrecortando o céu nublado, de cor indefinida. Fecho os olhos e elas lá estão, as cabanas bicudas, de vários tamanhos, suas palhas e tecidos baloiçando ao vento sob um céu alaranjado que emana frescura…ouço a flauta.
De novo a minha realidade, as pessoas errantes cheias de pressa e alheias ao mundo: mulheres equilibradas em saltos finos, de maquilhagem carregada e cabelo estático, homens de fato escuro e gravata apertada, sapatos lustrosos, malas de linhas rectas, relógios no pulso. Em todos o mesmo olhar vazio, a mesma pressa de viver, o mesmo telemóvel no bolso, a mesma solidão acompanhada num caótico mundo cheio demais. Das canas de bambu chegava o som causado pela pressão do ar que as percorria: ao ritmo da natureza, leve como o próprio ar, fluido como a água, quente como fogo e próspero como a terra, o povo dos Andes dança num compasso afinado. Sobre os corpos dourados assentam roupas manufacturadas, todas iguais mas todas diferentes; nas peles a tinta colorida grava os mais diversos símbolos, cada qual com o seu significado. Dos pescoços, pulsos e tornozelos pendem adornos diversos, penas, pedras, contas… natureza talhada pelo Homem, para o Homem, à medida do Homem.
Sei que se abrir os olhos, mesmo sem desligar o mp3, posso ouvir o som estridente das buzinas, o motor dos carros, os alarmes dos aparelhos electrónicos, a voz distorcida pelas ondas que a transmitem. Mas prefiro mantê-los fechados, respirar fundo e aproveitar estes breves minutos de calma que me estão a ser proporcionados por alguém que nada mais vez que soprar para uma cana.
É esta, minha, a sociedade desenvolvida? Não será mais Homem aquele que sobrevive em harmonia com a natureza e dela usufrui que este meu, que a destrói e a aniquila em prol de metal escuro e frio?
Hoje, eu preferia dormir ao relento sob um céu estrelado, ouvindo o canto do rio e dos pássaros, olhando os contornos da montanha, pintando os meus sonhos com pegadas descalças, sentindo nos pés o áspero granulado da terra, nos seios o macio da pele trabalhada, no rosto o frio da noite, nas mãos o macio das penas…
De repente, ao dar-me conta de que concentrar-me naquelas condições seria impossível, sorri. Do meu mp3 brotavam as notas puras, de timbre característico, da eterna e inconfundível flauta-de-pã. Se fechasse os olhos via, em câmara lenta, os Andes bem à minha frente, a sua harmonia plácida, a sua calma resplandecente, o seu esplendor sábio. Se os mantivesse fechados e me deixasse levar pela melodia que deslizava para os meus ouvidos podia ver bem na minha frente os rostos morenos dos ameríndios: o seu negro olhar penetrante e inteligente, o seu imponente e magro nariz adunco, o liso e preto cabelo comprido, ao vento, enfeitado com os mais variados pendentes coloridos.
Abro os olhos, na sombra das lentes que impedem a minha observação de ser percebida. À minha volta há prédios altos, uns luxuosos e pintados de fresco, outros bem antigos, rachados pelo tempo e corroídos pela humidade, entrecortando o céu nublado, de cor indefinida. Fecho os olhos e elas lá estão, as cabanas bicudas, de vários tamanhos, suas palhas e tecidos baloiçando ao vento sob um céu alaranjado que emana frescura…ouço a flauta.
De novo a minha realidade, as pessoas errantes cheias de pressa e alheias ao mundo: mulheres equilibradas em saltos finos, de maquilhagem carregada e cabelo estático, homens de fato escuro e gravata apertada, sapatos lustrosos, malas de linhas rectas, relógios no pulso. Em todos o mesmo olhar vazio, a mesma pressa de viver, o mesmo telemóvel no bolso, a mesma solidão acompanhada num caótico mundo cheio demais. Das canas de bambu chegava o som causado pela pressão do ar que as percorria: ao ritmo da natureza, leve como o próprio ar, fluido como a água, quente como fogo e próspero como a terra, o povo dos Andes dança num compasso afinado. Sobre os corpos dourados assentam roupas manufacturadas, todas iguais mas todas diferentes; nas peles a tinta colorida grava os mais diversos símbolos, cada qual com o seu significado. Dos pescoços, pulsos e tornozelos pendem adornos diversos, penas, pedras, contas… natureza talhada pelo Homem, para o Homem, à medida do Homem.
Sei que se abrir os olhos, mesmo sem desligar o mp3, posso ouvir o som estridente das buzinas, o motor dos carros, os alarmes dos aparelhos electrónicos, a voz distorcida pelas ondas que a transmitem. Mas prefiro mantê-los fechados, respirar fundo e aproveitar estes breves minutos de calma que me estão a ser proporcionados por alguém que nada mais vez que soprar para uma cana.
É esta, minha, a sociedade desenvolvida? Não será mais Homem aquele que sobrevive em harmonia com a natureza e dela usufrui que este meu, que a destrói e a aniquila em prol de metal escuro e frio?
Hoje, eu preferia dormir ao relento sob um céu estrelado, ouvindo o canto do rio e dos pássaros, olhando os contornos da montanha, pintando os meus sonhos com pegadas descalças, sentindo nos pés o áspero granulado da terra, nos seios o macio da pele trabalhada, no rosto o frio da noite, nas mãos o macio das penas…
Preferia mesmo.
2 comentários:
Continua assim! Gostei muito deste tema ;)
a Natureza e algo inexplicavelmente belo!
eu amo a! passo as noites no campo cada vez mais contaminado pela urbanizacao e de dia vivo o inferno de uma cidade como Lisboa!
a verdade e que ja custou mais!
es boa mt boa nisto toto
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