Acreditas num destino traçado?
Pergunta de merda, desculpem a expressão. Não pela questão que levanta literalmente, mas por todas as outras que lá estão implícitas (sobre as quais tenho pouca vontade de reflectir, e menos ainda de chegar a alguma conclusão).
Foi-me sempre muito fácil acreditar que sou livre. Quer dizer, mesmo aquelas questões sociais e culturais que nos constringem para mim pouca diferença fazem. No fundo eu aceito e (geralmente) até concordo com os princípios pré-estabelecidos: as regras de boa educação, os princípios ético-morais, os direitos e deveres político-sociais, por aí fora. Ter de trabalhar, ir à escola, levantar e deitar a certa hora e morar num sítio fixo não fazem de mim uma pessoa menos responsável pelos meus actos. Mas há coisas que me ultrapassam e hoje, finalmente, vou-me obrigar a pensar sobre isso.
Tenho uma tendência enorme para racionalizar e etiquetar tudo- quando me deparo com uma realidade nova (situação, pessoa, sentimento) o método é levantar questões, apalpar terreno, pensar, testar e concluir. Quase como o científico. Nada me desconserta mais que esbarrar com algo/alguém que derrube esta teoria. Por exemplo, quando experimentamos um desporto ao qual sempre achámos piada (ou mesmo de que nunca tenhamos ouvido falar), que até parece complicado, e de repente somos os maiores naquilo, sem como nem porquê. Ou quando nos cruzamos com alguém que não conhecemos de lado nenhum e temos a sensação de que sempre fomos amigos.
Depois ainda há um patamar pior, que é quando decidimos (por a+b ou simplesmente porque sim) que nos queremos afastar de uma realidade e enveredar por outra. Suponhamos que há uma escolha a fazer (queres um gelado de morango ou baunilha?), e nós lá escolhemos (morango, sff!). Ora, como diria o Toni, isto é só um suponhamos. Porque o gelado uma pessoa pede, come aquele e acabou. Mas há aquelas situações em que a vida parece decidida a escolher por nós: passe o tempo que passar, venha o que vier, havemos de cair na escolha que deliberadamente não fizemos. Conheço um casal que na adolescência tentou uma relação que não resultou. Teve influências de terceiros, depois deixou de ter, enfim, por uma série de acontecimentos cada um seguiu o seu caminho. Casaram (com outras pessoas), tiveram filhos, até perderam o contacto…uns anos depois vêm-se outra vez, começam a falar, e, pimba!, hoje estão juntos. Conheço quem sempre tenha sonhado ser médico, na altura não entrou, tirou arquitectura, estava bem no ramo e financeiramente estável…e aos 45 anos vai tirar medicina.
(“Quer morango ou baunilha?”
“Morango, sff!”
“Ora aqui tem a sua baunilha!”
“Não, não, eu disse morango!”
“Ora, pois, exactamente! Baunilha, como pediu!”)
E depois, tcharan!, a baunilha até se calhar nos sabe melhor. Ou talvez não, não sei. Volto àquela dúvida: será que é porque ao escolher optei pelo mais fácil, mas no fundo sei que o melhor é que me vai fazer feliz? É um bocado perseguição do subconsciente, estar permanentemente a atirar com a hipótese que recusei…será?
Custa-me muito a admitir, mas sim. Acredito num destino traçado. Não por não poder fazer a escolha, porque posso, mas porque algumas coisas são certas para cada um de nós, sem precisar de motivo, explicação ou sentido. Algumas realidades encaixam tão bem que não há como resistir, quer queiramos (mesmo que seja por muito bons motivos!), quer não. Uma vez encontradas, até posso fugir. Até posso fingir. Mas sei que elas lá estão, no escuro, bem no fundo do armário, quietinhas, à espera que eu lá volte- elas não chamam, não provocam, mas eu sei que elas lá estão. É a questão temporal, também: elas fizeram sentido ontem, fazem hoje, e farão amanhã (exactamente do mesmo jeito). Um dia vou cair...e aí vai fazer sentido.
O pior? Sentir-me (quase) predestinada não tira sentido à minha vida. Posso sempre pensar o contrário: vivo para encontrar esse fado. Lutar contra ele talvez até possa ser giro, e sempre dá uma história para contar à mesa (Bolas, já estou tão farta de ouvir à mesa a história do tal casal, ao fim destes anos todos...).
Faz acontecer, que eu faço valer a pena. (Agora, e só depois de escrever isto tudo e de me obrigar a reflectir sobre o assunto, sei porque é que sempre gostei desta frase…)
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