domingo, 27 de janeiro de 2008

Boémia


Dois cálices de vinho tinto a meio, entrelaçados, embalando uma conversa com intenções ocultas por detrás de palavras caras bem escolhidas.
A cera quente escorre pela vela esguia, a luz trémula da chama cintilante é reflectida nas paredes, que calam segredos e não julgam actos.
Música baixa, som harmonioso de piano e violino em sinfonia calma mas forte, num compasso com passos firmes de saltos altos. Arrepio quente espinha acima, olhar escaldante alma adentro.
Uma rosa vermelha em cima de uma mesa de madeira escura envernizada, espinhos bem afiados, folhas com orvalho fresco e puro, uma pétala caída, isolada, esquecida; ao lado um prato de loiça com bombons retorcidos de chocolate negro.
Uma mão feminina esticada para esse mesmo prato, longos dedos brancos e unhas pintadas com verniz bordeaux, ele sente na boca carnuda o prazer amargo do chocolate a derreter lentamente.
A noite é negra como breu, a lua cheia e bem redonda brilha alto, prateada, líquida, serena, vista da janela por entre os pesados reposteiros de veludo encarnado.
O coração bate forte no peito, o corpo é invadido por desejos avassaladores, a alma pede um consolo que não o pensamento, a vista já turva, a respiração torna-se mais ofegante a cada segundo. As mãos cedem ao que a mente já não controla há muito, uma alça preta de vestido de cetim escorrega por um ombro arrepiado, ao mesmo tempo que se ouve, abafado, o som seco de uma camisa branca atirada para o chão. Louca lascívia, santa boémia, sonho, realidade…quem deseja não resiste à tentação.
Nada mais que dois corpos e uma mesa na enigmática noite; um cálice observa, pesaroso, os estilhaços do outro para sempre perdido, afogado caco por caco numa mancha irregular que denuncia a luxúria de quem não bebeu o liquido derramado.
Se a música ainda toca, já ninguém ouve; se a lua ainda brilha, ninguém a admira; a pétala caída já não está isolada. My funny Valentine. Sweet comic Valentine…

10 comentários:

Anónimo disse...

Primeira a comentar este texto. Primazia aqui à Je.

Primeiro, o impacto do texto é tal que me ficou a apetecer um bombom daqueles amargos a derreter-se na boca..... hummmm...

Segundo, como já disse, adjectivar a noite como líquida é simplesmente genial. Outros já o devem ter feito mas não com tanta alma como aqui.

Sabes que és a escritora do século XXI. Yeah!

Ana Clau Ameixa. disse...

Pah ,
é dos meus comentários mais estúpidos este que agora lês, mas te garanto , não tenho palavras .
Simplesmente . .
Brutalinho .
Adorei .

Anónimo disse...

Esta lindo! Trata já de fazer alguma coisa com estes textos! Tens o sucesso garantido! Parabens mais uma vez!**

Anónimo disse...

Importância á cor, importância ao momento, á luz e ao seu próprio reflexo, ao desejo e ao turbilhão de sentimentos, ao sabor e á descrição visual, ao motivo, á amizade, á paixão ou até ao amor, ao calor ou ao frio. a verdadeira importância dum simples acto desencadeado pelo desejo está em cada pormenor... em cada objecto imposto que tranmita sensações. Consumado por um simples toque? porque não consumado por apenas o cheiro do chocolate negro derretido nos tes próprios lábios? desejo carnal? ou apenas o toque suave do veludo levado pela leve brisa na pele?

Anónimo disse...

Sweet Rita,

És a minha escritora preferida. A minha artista de eleição. Não sei de onde te vem essa inspiração que me faz sorrir a cada texto.

As always, parabéns.

Gosto de ti.
Raquel

Anónimo disse...

Completamente envolvente! Eu sou totalmente contra comentários construtivos e fortemente pirosos, mas em um par de linhas estás presente diante de tudo.

Está bom com'ó caralho!

Anónimo disse...

Está absolutamente fantástico, como aliás é normal. A intensidade que imprimes está maravilhosa.

Minha cara amiga, publica isto, o nosso país está a precisar! Chega de livros como "Eu,Carolina", chega de livros da Maddie, chega! Queremos textos sérios, textos bonitos, textos intensos.

Parabéns!

Anónimo disse...

..diz que temos escritora ;) Se o Eça vivesse no sec.XXI chamar-se-ia (sentiste-lhe o oblíquo??) Rita Mendes!... Qd esse livro for editado sabes quem deves procurar para lhe dar um titulo.. :P
*s

Confidente disse...

Simplesmente delicioso... simplesmente TU!
Adoro o que escreves q espero que continues.
Nunca me cansarei de to dizer!

Anónimo disse...

Gostei muito.
E como já alguém disse, faz qualquer coisa com os teus textos.
Beijinho