sábado, 6 de outubro de 2007

Força


De rastos, cambaleando desamparada por entre os escombros de uma sociedade cadavérica, rastejo inconscientemente para lado nenhum, deixando perdida no chão negro e sujo uma linha rubra de sangue que escorre, incessantemente, de meu peito aberto.
Cá dentro, o ritmo cardíaco desta máquina anestesiada é cada vez mais fraco, o som seco e vibrante do seu bater é cada vez mais baixo. No entanto o meu espírito, assustado, angustiado, mas corajoso, luta desesperadamente pela sua liberdade, grita silencioso libertando a raiva, incandesce num fulgor alimentado por uma ténue esperança de voltar a viver.
No princípio atacou a escuridão, negra como breu, assustadora, mórbida, tenebrosa e fria. A sensação foi instantânea e derrubadora, uma solidão total, uma falta de tudo e de todos. Lágrimas subiram aos meus olhos, quentes e grossas, e lentamente escorreram pelo meu rosto, deixando para trás as cristalinas marcas da sua passagem. Ao senti-las em meus lábios o seu gosto salgado despertou os meus sentidos, e decidida a combater qualquer fúria ergui-me de novo, e gritei com força a minha vontade de voar mais alto.
Mas a simples reacção não chegou. Meus olhos cansados não se adaptaram ao preto baço que me rodeava. E depois o silêncio, pesado, penetrante, vigilante. As vozes dos outros, que um dia ouvi e me fizeram sorrir, pensar, agir, viver, calavam-se agora uma por uma, num silêncio eterno. Se o primeiro calar me aliviou, aos poucos morriam também os que me faziam falta, as vozes da minha alma. Por fim fiquei sozinha, fraca e desamparada. A luta contra as trevas gastara as minhas forças, e cada vez mais rebaixada sentia-me ceder á loucura, lenta mas certamente, como um massacre, uma tortura horripilante e arrasadora. Já não tinha o que chorar, nem porque chorar. Em mim já só eu existia, eu em alma, aprisionada num corpo destinado ao bolor da terra, presa a um destino fatal.
Aguda e violenta, surgiu num arranque a dor em meu peito. Ao pôr-lhe a mão apercebi-me sem surpresas de que estava nua, e que em meu corpo desprotegido e arrepiado habitavam agora feridas, queimaduras, cicatrizes, marcas de tempo, de dor, de morte e de pavor, marcas que não via mas sentia. O sangue que corria em minhas veias fugia agora por inúmeras ranhuras. Ele próprio, envenenado, alimentava a terra com sua acidez, e deixava manchas invisíveis na escuridão que rodeava.
Caí. Já não agia, nem pensava. O próprio rastejar era apenas a expressão da pantera presa em mim, que se recusava a padecer agarrada á realidade.
E foi então que surgiu, ao longe, a luz. Um ponto ínfimo, quase nulo, mas existente. Fechei os olhos e mesmo assim via-o. Percebi que não era vida. O que quer que fosse, sonho, mito, ou morte, era a saída pela qual minha alma chamou no silêncio, era a magia que evoquei da gruta mais profunda do centro do meu ser.
Calma, sorri. Sabia que estava tudo bem agora. Tu vinhas aí, o que quer que fosses, e eu esperaria por ti. Aliviada, adormeci, senti ainda o cheiro imundo e pérfido a morte quando a minha cabeça bateu seca no chão.
“Vim-te buscar.” A tua voz doce e transparente ecoou como música nos meus ouvidos. Nas tuas asas mágicas de cristal levaste-me para onde o céu não tem nome. O que aconteceu? Não sei. Desde esse segundo não mais acordei.

2 comentários:

Anónimo disse...

Epah...sem palavras... ESPECTACULAR!!! Tia, você escreve lindamente. Adorei rica! LOL A serio... ta 5 estrelas! bjos fofa :P

Anónimo disse...

what can i say? ainda bem que nao foste para biologia porque acho que o teu futuro está mesmo nas letras e não nas celulas! LOL lolly,fiquei maravilhosamente maravilhada com a tua escrita!! se dantes já estava satisfeita por te conhecer, agora orgulho-me de tal! o que um simples blog faz a uma pessoa!! "insonia", quem nao a teve já? "dor de viver" tambem ja todos a sentimos...por isso "força" na escrita e continua com este fantastico blog!!!