Estou sentada no meu quarto, na minha própria cama dura, costas na parede gelada e olhar preso no horizonte cinzento, recortado por entre paredes sujas de humidade e muros repletos de musgo. Os meus pés gelam dentro das meias cujo propósito é aquecer, o meu tremer contrasta com a respiração quente, que abafo por entre os braços cruzados.
Engraçado como a vida parece congelar quando paro para reflectir, e correr normal e indiferente quando ponho alguma das minhas máscaras. Durante semanas a fio procurei desesperadamente fugir de mim. Recorri a todo o tipo de ocupações para me abstrair, corri contra o tempo para que o cansaço do meu corpo fosse mais forte que a dor da minha alma, para que o mundo me levasse na sua corrente maciça e me impedisse de cair em mim. E consegui.
Nem sei quantos dias passaram sem que realmente usufruísse deles. O quotidiano girou à minha volta num compasso de sons díspares, cores tremidas, sensações deturpadas e sentidos entorpecidos. Quando chegava a noite o cansaço era tanto que a consciência apagava mal a cabeça batia na almofada. Vivi como fantoche, sorriso nos lábios e olhos turvos, palavras ocas em frases vazias, humanidade gerida em função do rendimento. Escondi a dor por detrás de ovos de chocolate e pregadeiras de feltro colorido. Apaguei a mágoa com recurso a música talvez alta demais. Calei o grito que crescia na garganta correndo quilómetros. Ainda assim, cheguei a chorar. Nem a isso me permiti. Mortifiquei as lágrimas em lenços de papel áspero, mas não consegui disfarçar a vermelhidão dos olhos. No entanto rodeei as perguntas que pediam resposta sincera recorrendo a substitutos baratos e credíveis. Como sempre, deixei-me enterrar um pouco mais neste buraco que eu própria escavo.
Agora, tal qual estou, calma, lúcida, olhando distraidamente pela janela, fragmento-me em constatações. O facto de ser como sou condena-me a esta solidão acompanhada e, por mais que a tudo me entregue, apenas uma coisa será capaz de preencher este vazio cá dentro, que me consome o calor.
Roo a tampa da caneta, desvio o pensamento e finto memórias felizes. Lá fora não há movimento, nem barulho. Em meu redor, rostos familiares fitam-me acusatórios, consigo sentir nas suas expressões estáticas um recriminar fundamentado. Não preciso de palavras. Eu sei quem sou, como sou.
1 comentário:
Porque é que as pessoas fogem de si próprias? Porque teimamos em calar o grito?
Muito bom...parabens
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