sábado, 6 de novembro de 2021

Repeat

 

Hoje sei porque escrevo. Hoje sei exactamente o que faço aqui, de caneta na mão, a sentir o toque macio do papel. Sou uma espécie de Hansel, que quando se embrenha floresta adentro vai atirando migalhas ao chão. Eu atiro palavras ao ar. Sinto o cerco a arder, vejo-me sem saídas e tento procurar o caminho, agarrar o fio à meada que há muito está perdida. Agarro-me aos pensamentos que posso ter, tento em vão esconder os que realmente me tiram o sono e escrevo com a raiva de quem luta e a lucidez de quem opera.

Continuo a sentir demais, a pensar demais, a sofrer demais. Continuo com mais medo do desconhecido do que da solidão. Fraca? Não sei. A precaução ainda é a melhor defesa que conheço, logo seguida pelo ataque.

Conheço cada recanto meu, sei de cor cada lugar aqui, e aprendi a gostar de quase todos. Quase. Aninho-me comigo e tento em vão vazar a cabeça...nunca consegui, não vai ser hoje, mas continuo a tentar soltar no papel os monstros cá de dentro, na esperança de que vão e não voltem.

Outra vez, porquê? Como é que não aprendo? Como é que aprendo, mas não consigo evitar? Odeio o que não controlo. O arrepio frio, a presença não solicitada, a invasão do espaço pessoal. Sai. Não quero, não desta vez, não outra vez, não de vez. Porque é que não vês? Ou talvez vejas demais...

terça-feira, 10 de março de 2015

O dragão e o unicórnio

Falemos de pessoas. De mim, de ti, de nós, dos outros. Falemos do que nos define. Daquilo que somos.
Falemos de medos, de raivas, de paixões, desejos e vontades. De instintos. De máscaras. Falemos de loucura, de ilusão, de presente. De passado. De futuro.
Senta-te ao meu lado. Vamos deixar o sol ir embora. Quero sentir o frio a apertar.
Vês passar as pessoas? Almas vazias, frias, sem bálsamo. Monos. Marionetas. Incapazes de viver, porque não amam. Incapazes de amar, porque não sentem. Incapazes de sentir, porque não cedem. Incapazes de ceder, porque estão enjaulados. Já nasceram presos. Tristes. É vê-los passar e sentir o cheiro do medo. No olhar, só névoa. Nos lábios, cadeados. Palavras ocas, frases feitas, meias verdades. São só corpos, carcaças. Embalagens bonitas, publicidade enganosa. E alguns nem isso. Todos iguais. Irritam-me os outros. E entristecem-me, também.
Falemos de mim, agora que os outros já estão nos seus buracos. Sou louca. Sou livre. Sou eu. Faço o que quero, porque já fiz o que me mandaram e não gostei. Vivo o que sinto, porque o ético e o moralmente correto foram inventados por idiotas manipuladores. Porque tudo é sujo, aos olhos dos outros. Porque, aqui e agora, ser fiel a si mesmo é estar errado. Porque a paixão virou tabu. E eu sou de paixões, sou da tribo dos intensos, sinto ao máximo. Claro que a queda é maior. É o equivalente à subida. Sou calma, sou paz. Sou equilibrada. Só não chegues muito perto.
E tu? Tu és fogo. Tu consomes, tu devoras. Vives para lá do limite. Desafias o jogo, não as regras. És uma overdose de tudo. A explosão dos sentidos, e o vazio de sentido. És o desafio, um catalisador. Ladrão de certezas. Fonte de luz.
Somos vida. Força, foco, fé. Somos reais, sem mais nem menos. Somos donos de insanidade lúcida. Talvez mesmo da pouca verdade que exista. Dicotomias. Paradoxos. Paradigmas. Encruzilhadas.
“Olha
como só tu sabes olhar
a rua     os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso

Não faz mal    abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados      maravilhosos     únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso”


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Sina


“E não se esqueça, venha ter comigo se quiser que lhe leia as cartas.”

Vi-o ir embora e fitei-lhe as costas com vontade de o chamar de volta. Porque até àquele momento ele não me pareceu real, mas ali… e então desapareceu. Mas deixou-me o bichinho do destino, da sorte.

Cartas? Búzios, sina? Por estranho que pareça já achei a ideia mais descabida. E, quem sabe, qualquer dia não passe lá mesmo.

Amaldiçoo quem me levou para longe os amigos. A porra da solidão que me devora. Detesto o silêncio, o isolamento, sinto-os a comerem-me as entranhas.

Penso demais. Falo demais. Cresce-me a raiva.

Preciso de ar. Ou de esvaziar a cabeça. Tenho meia dúzia de soluções para ambos, nenhuma me parece muito adequada.

Quero correr. As dores no corpo ajudam a esquecer as outras. Preciso de um anestesiante. De fitar o vazio sem pensar em nada. Bolas, preciso de ajuda.

As imagens atropelam-se. Os sons, os cheiros. As dúvidas, os medos, as inseguranças, os receios, até mesmo as (já poucas) certezas, os sonhos e a fé. Está tudo misturado. O caos soltou o bicho, já não consigo parar, já é mais forte que eu, já não vejo o que faço, por onde ando, já não sei o que quero.

Olho-me no espelho e pergunto quem é esta. Arde-lhe uma chama nos olhos. Tem um cadeado nos lábios. Não a reconheço. Nem por serem meus os gritos dela.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Terceiro Esboço




Céu. Se não é, então, pelo menos, anda lá bem perto.

Pergunto-me quem és enquanto me aconchego no teu abraço. Faz parte da magia, o desconhecido. O facto de, no fim de contas, poderes ser um erro muito grande. O maior, talvez. Pergunto-me se terás os mesmos pensamentos em relação a mim. Ou se serei tão óbvia que saibas as respostas antes de fazer as perguntas, e por isso não digas nada.

Sei que devia temer o momento, que estará para breve, em que vou ter de pôr de novo os pés na terra. Aquela altura em que vou ter de te dizer alguma coisa, enquanto me visto. Aquela fase em que ambos voltamos às nossas vidas. Sei que devia estar nervosa. Mas não consigo. Não enquanto sentir o teu cheiro a embalar-me, o teu calor da minha pele. Não enquanto reconhecer a forma da tua mão na minha barriga. Não temos nada a dizer, nem nada a temer, enquanto o tempo estiver assim, gelado.

Abro os olhos. Dou contigo a olhar para mim. E a sorrir. Não aquele sorriso que me ofereceste todos os dias até agora. Não que fosse preciso outro, foi esse que me arrebatou. Mas o sorriso que tens nos lábios agora faz-me ser capaz de matar para o ver para o resto da minha vida. Sei que te estou a sorrir de volta. E que a minha vida nunca mais vai ser a mesma.

Penso no que nos levou até aqui. No pouco que sabemos um do outro, que temos para nos agarrar. Nos nós que temos para desatar, no nó cego que cada vez apertámos mais.

“Ficas?” Sussurraste-me baixinho.

“Não saio mais daqui.”

Senti-te puxares-me para ti, e entreguei-me ao teu abraço, o teu rosto enterrado no meu cabelo, as minhas mãos nas tuas costas. O meu corpo pedia o teu, gritava por sentir cada centímetro da tua pele. Não havia volta a dar. Nunca houve, desde o primeiro momento em que te vi.

Segundo Esboço

(Bolas. Esta não é de todo a expressão que me ocorre, mas é a que fica melhor para expor publicamente.
Escolhas. São, talvez, o maior desafio da vida. Principalmente para quem, como eu, gosta de certezas, de estabilidade e de saber com o que contar. Problemas: rotina, quotidiano, tédio, cansaço…
…Desejo…
…Bolas.
Faço o que posso para que as minhas escolhas sejam acertadas à primeira. Mas chego à conclusão de que algumas não nasceram para isso, ou se calhar fui eu que não nasci para as tomar, sei lá.)
 
Onde estás? Estou naquela fase em que já acordo com o simples propósito de te ver, por mais brevemente que seja. Aquela fase em que conto os minutos em desespero, será que não vens, aconteceu alguma coisa, não pode ser…
E depois apareces, sorris, e o meu dia fica melhor. E espero que não vás, não, fica, vamos conversar só mais um pouco. Se é que posso chamar de conversa à meia dúzia de barbaridades que me fogem pela boca quando estás por perto. Fico tão bloqueada que respondo em modo automático. E sou perfeitamente imbecil, ainda mais que de costume.
Será que voltas? Penso sempre que sim, porque quero que voltes, porque me habituei a que avises quando vais embora. E fico no trapézio, em equilíbrio precário, a tentar seguir em frente enquanto rezo para que haja rede lá em baixo.
Penso em ti a toda a hora. A meio de todo o tipo de banalidades. Interrompes-me a linha de pensamento sem pedir licença. E sorris, sorris sempre. Esse sorriso que me roubou a razão. Temo que me encontre em estado de permitir que me roubes o juízo, também.
E hoje sonhei contigo. Porque era mesmo o que me faltava para poder alegar insanidade mental. Porque agora, de vez, passei o limite do razoável, do seguro, do estável…das escolhas. Toldaste-me a razão…estás a escolher por mim.
Quero que me toques. Conhecer o teu cheiro como conheço a tua voz. Sentir o meu corpo a reagir ao teu. Quero saber se consegues com as mãos segurar os alicerces que abalas só por existires. Quero arriscar. Parar o tempo, esse dom efémero que só se tem enquanto se sofre de paixão aguda. Quero dar voz a esta loucura que me consome. Voz e cor, forma, vida. O meu coração bate ao compasso do teu nome, e não é justo, Deus, não é.
E temo o dia em que os meus desejos se realizem e nos sentemos os dois, para nos conhecermos melhor. Receio o momento em que leia as respostas nos teus olhos. Saber mais sobre ti é o meu dilema: é o que mais quero e o meu maior medo. Não vais ser como imagino. Vais ter defeitos, temos todos. Vais ter um lado que não sorri. E vais ter escolhas também, feitas e por fazer. E aí vou ter de optar, se estou apaixonada ou apenas impressionada. Se quero conhecer o homem ou a máscara. Sei que nesse dia esta sensação, de uma maneira ou de outra, vai embora. Ou vai mudar. E dói-me…porque este estéril é bom. Permite-me sonhar, iludir-me, agarrar-me a algo puro.
Vais-me enlouquecer. Mas sorri. Por enquanto, sorri.

Primeiro Esboço


O tempo passa e vamos deixando os novos hábitos tomarem conta dos velhos. Não que eles morram, não, de todo, deixam-se simplesmente lá ficar, adormecidos, à espera de que se lhes seja sentida a falta. É o caso.

Quase tudo tem substituição, não vale a pena deixarmo-nos levar por ideias românticas. Estamos programados para ser dessa forma. E se não há o que procuramos…então algo certamente tomará o seu lugar, melhor ou pior. Deixei de escrever durante muito tempo. Tempo demais. Entretanto fui vivendo. Fiz outras coisas. Houve alturas em que me senti tentada, mas segui em frente. E agora cá estou, de novo a braços com uma das coisas que me faz sentir mais una comigo mesma. Se é para ficar, não sei. Sei que estou bem, aqui e agora. E é isso que importa.

Falando de mim…estou igual. E, ao mesmo tempo, sou outra pessoa. Continuo frágil, cansada e carente, na mesma debaixo de um manto de força e confiança que me vai permitindo seguir em frente. Deixei de acreditar em contos de fadas, e cedi mais à realidade. Sinto-me mais triste, mais sozinha e mais vazia. Mas, por outro lado, sofro menos ao esperar menos da vida, e essencialmente das pessoas. Deixei de lutar batalhas que estão, à partida, perdidas. Também deixei de lutar outras, que até têm a hipótese de ser vitoriosas, mas não são minhas. É estranho pensar que luto menos, mas estou mais cansada. Talvez porque não tenha pelo que viver. Mas, agora, tanto me faz.

Perdi grande parte daqueles que me são queridos. A distância e o tempo são capazes de coisas que julgamos impossíveis. E sinto-lhes a falta, se sinto. Mas já pouco choro. Não adianta, se não os traz de volta e ainda me deixa com dores de cabeça. Aprendi a valorizar o pouco que tenho. A calar a boca, quando tem de ser, e Deus sabe como me é difícil. Agora sei distinguir o que quero do que preciso. E vi que, afinal, preciso de muito pouco. E com isto deixei de querer como dantes. E de crer, também.

Fiz escolhas. Provavelmente não foram as escolhas certas. Sei que muitas delas vou ter de retificar, e que vou pagar pelos erros que cometi. Fi-las em consciência, a par do que me pareceu mais certo e mais seguro. Talvez tenha sido essa a falha. Talvez a forma certa de escolher seja mais com o coração que com a cabeça. Talvez devesse ter dado asas à certa dose de loucura que tenho, que temos todos. Não estou feliz com as minhas escolhas. Mas assumo-as, e tomo total responsabilidade pelos danos por elas causados. Até porque, em boa verdade, só eu sofro consequências.

Portanto agora eu sou mais eu, e gosto menos de mim. Tenho saudades da louca sonhadora que um dia achou que podia mudar o mundo, e ser feliz. Ou pelo menos, mudar o seu mundo. A dura verdade é que o mundo nos muda a nós. Mas pode ser que de facto não hajam verdades absolutas, nem perfeitas mentiras. “Deus quer, o Homem sonha e a obra nasce.”. No dia em que o meu Deus voltar a querer, talvez eu volte a sonhar.

 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Andámos

Esperamos meses a fio, numa dormência articulada, por que a vida faça sentido. Mas ela não faz. E, ainda assim, vale cada dia torpe em que arrastamos corpo e alma.
Andámos. Estava tanto frio que mal sentia as mãos, mas o fogo cá dentro disse-me que não fazia mal. Vi o bafo quente sair-te da boca e subir no ar. E sorri. Faz-me lembrar os romances de Zafón, uma época esquecida mas que aquece a alma. Fomos andando, falando e rindo, vendo os ponteiros girar e deixando passar caravanas. Sei que me faltou o ar, que o coração me bateu na garganta, e que nada do que disse foi o que realmente quis saber.
Vi quilómetros pelos teus olhos. Preenche-me uma calma que não sei descrever: como que uma paz interior, mas ao mesmo tempo uma ânsia de mais. Como se fossem os teus passos que me oxigenassem o sangue.
A dada altura não soube se ainda tinha nariz. O ar que respiro queima. Tremem-me as mãos, e também tenho dúvidas acerca do motivo para isso. Cada vez que te olho parece a primeira: há sempre uma nova linha de expressão, um brilho no olhar, um segredo no sorriso.
Quis dizer-te que não acredito no amanhã. O meu reino por “aqui, e agora”. Quis uma cama quente; não quis deixar de andar ao teu lado, com medo de quebrar o momento. Temi que se te tocasse o espaço que deixaria de existir entre os nossos corpos passasse a separar os nossos caminhos. Fundi passado e presente, e odiei um futuro que não incluísse esta duplicidade.
Andamos um pouco mais. Os cães ladram. Os ponteiros batem. Vi, enfim, a porta. Agora o tempo escorre-me por entre os dedos como areia. A velha amiga já tem as minhas impressões gravadas nos veios da madeira, e chama por mim no silêncio da noite.
Parei, com as palavras entaladas na garganta- achei que se as deixasse sair haviam de tropeçar em sístoles e diástoles. Ainda estava a tentar perceber onde colocar os olhos quando me pegaste no queixo, me olhaste para a alma e me explicaste o que era amar. E deixei de sentir frio: de repente sentia cada centímetro da minha pele mais quente e vivo que nunca.
Um momento. Um beijo. Faz acontecer que eu faço valer a pena.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Devaneio

“As pessoas não mudam, os sentimentos sim.”- fui pensando na ideia enquanto distraidamente mordia a palhinha do sumo. Se por um lado me parece verdade, por outro não posso deixar de ver que, e avaliando por mim, as pessoas efectivamente mudam. Talvez não aquela essência, aquela forma de ser e aquele jeito de fazer as coisas (como fechas os olhos quando sorris, passas a mão pela cabeça quando estás preocupado e a tua boca faz um trejeito quando estás distraído e a pensar na vida…), mas mudam. Muda a atitude delas para connosco (e daí…será que essa mesma também não se altera quando se transforma o sentimento?).
E assim, confusa e perdida em pensamentos, segui a rotina de havaianas. Prontamente as troquei pelo pé descalço, ora na areia ora na água, mas a dúvida era a mesma: será que as pessoas mudam mesmo? Crescem, sem dúvida. Ganham experiência, conhecimento. Algumas pouco ganham e nada evoluem, mas pelo menos o tempo tem de passar, e afinam-se umas arestas aqui e outras acolá. Dou graças aos céus por ter a cabeça ocupada com ideias será-que-apareceu-primeiro-o-ovo-ou-a-galinha, porque hoje estou com um humor de cão e nada me corre bem. Dou por mim a olhar para ti, como me acontece sempre que estás por perto –de resto quando não estás penso em ti na mesma- e calculo o que mudou. Mudou muito, demais. Se calhar mudou tudo- eu, tu e o mundo. Ou se calhar não mudou nada. És o mesmo, e vejo-o a cada passo que dás. Sou a mesma, e sinto-o em cada inspiração. E o sentimento…esse, raios parta a quem lhe deu asas, queria eu que fosse embora. Só cresceu, o filho da mãe, tipo erva daninha: infiltrou-se na minha vida e invade áreas que não lhe dizem respeito e já não sei mais o que fazer para o conter.
Se eu pudesse… se devesse, se não tivesse medos e dúvidas… se não me faltasse a coragem…
Rio-me e sigo em frente. Que se dane. Sou mais forte (e amanhã é outro dia).

(Corrói a alma o desespero de poder ver quando a distância é grande demais para o toque e o olfacto. Sinto-me a afogar-me em memórias, puxam-me as correntes do desejo e não sei o que fazer, toda eu vacilo- o orgulho prende-me com correntes de ferro mas não consegue apagar da lembrança nenhum momento perdido.
Sigo em frente e tento ignorar, ando enquanto procuro por qualquer meio esquecer, mas esbarro a todo o momento com os teus olhos, o teu nome, a tua presença que se espalha e se entranha e que cada vez mais temo tanto quanto amo. Quero fugir; quero correr para longe, para não ver mais, não ouvir mais, para enterrar bem fundo a dor e tapar o sol com uma peneira.
Sou tão fraca. O meu reino por um sentimento. O corpo pela alma. Tenho tudo, e ainda me sinto oca.)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Gone too soon

Saudades do tempo do evidente. Do preto no branco, do branco no preto, dos pontos nos is. Saudades de chorar com motivo; de ter razões para sorrir, de as exibir de peito aberto. Saudades de ser eu sabendo quem sou. De ter um trilho para seguir e sentir um aperto cá dentro quando dou um passo ao lado. Faz-me falta um rumo: bolas, faz-me falta a consciência que deitei fora.

Quero olhar nos olhos e não dizer nada. Preciso de alguém que olhe para mim e não peça explicações. Alguém que –com ou sem razões para isso- me chame linda e o faça com intenção e certeza. Alguém que me leia…porra, alguém que o faça sem saltar as linhas aborrecidas. Alguém que crie ondas neste mar que não mexe, que nem sei se existe para além das linhas que criei.

Não sei se quero gritar, chorar, ou deitar-me e dormir. Provavelmente, a última opção é a mais fácil. E de resto não tenho ninguém com quem gritar, muito menos onde chorar.

(Para que conste, fiquei assim por ouvir o álbum de Daughtry. O novo. É bom, mas é um perigo.)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

(em)OCEAN

Encostada ao banco do carro, com os pés no tablier e os dedos a tamborilar no volante ao ritmo de qualquer música que passa na rádio, não sei bem se sou eu quem olha o mar ou se é ele que, por entre o rebentar das ondas, me observa.
Nunca me apeteceu tanto um cigarro; para ser sincera, acho que é esta a primeira vez que realmente quero um. Respiro fundo e fecho os olhos. O frio cortante do ar gela-me de fora para dentro, mas, de alguma maneira, ajuda-me a separar os pensamentos.
Detesto a sensação de impotência. Detesto o facto de saber que não durou, mas que nunca mais acaba. E minto com todos os dentes que tenho na boca quando digo o contrário: faço-o, continuarei a fazê-lo e ai de quem me desminta...sendo que, no fundo, me dói na mesma. Mas ninguém tem de saber.
Desligo o rádio quando, ao fim da terceira música que quase posso jurar ter sido escolhida a dedo, me convenço de que o locutor está atrás da sua mesa, com os seus auriculares, a rir-se de mim a bandeiras despregadas. Mágico. Stupid love songs- alguém disse isto; não quero saber quem foi, mas faz muito sentido.
Estou brutalmente constipada- ainda assim o cheiro a maresia atropela-me os sentidos e apodera-se de mim. Vivo este aroma tão intensamente que posso jurar que me movo por ele. Ouço o telemóvel tocar e deixo que quem está do outro lado ouça a minha voz no atendedor de chamadas. Pelo menos aí vou soar animada. Tenho tentado não usar a máscara, mas às vezes sinto que há quem lhe veja os elásticos quando a maquilhagem não basta. E ligo de novo o rádio: antes a música deprimente que não ter banda sonora, de todo.
Será que vou encontrar o meu caminho? Já não sei quando nem onde o deixei. Já perdi a conta a quantas vezes o procurei no lugar errado. E começo a estar certa de que ando a traçar parábolas. Tenho a memória turva e a vontade fraca. Estou magoada com o rosto que me olha do espelho. Estou a perder o brilho, oh se estou…

domingo, 23 de outubro de 2011

Bubbles


Tenho bolas de sabão cá dentro! Daquelas com mil cores e reflexos, que flutuam, chocam e explodem. Sempre adorei andar a correr atrás delas, e rebentá-las ao murro ou à cabeçada -sim, sempre revelei meia dúzia de tendências não tão femininas assim- rio-me que nem uma perdida, nem eu sei muito bem porquê.
E o melhor da coisa? Fui eu (eu mesma, euzinha, pura e simplesmente EU) que as criei! Elas não dependem de ninguém para cá estar, são minhas e pronto.


Imagine-se todo um mundo de bolas de sabão. Ele é leve, brilhante, dono de uma irrepreensível beleza multicromática...e nele tudo é oco e rebenta.
Ora bem, nesse mundo há dois tipos de habitantes: os "homens-bolha" e os "rebenta-a-bolha" (não será pela nomenclatura muito difícil de os distinguir).
Agora o porquê de pensar nisto- há uma analogia óbvia com o mundo no qual acordo todos os dias.
Conheço uma quantidade incrível de "homens-bolha", fechados no seu limitado horizonte de certezas translúcidas e frágeis. Eles até conseguem ver cá para fora, embora por entre aquela barreira, mas saírem dali é mentira. E o que sei melhor ainda é que há cada vez menos "rebenta-a-bolha" a destruírem essas barreiras ilusórias (mas lindas- atenção!) aos tontos que fazem questão de as preservar.
Considero-me, pessoalmente, uma "rebenta-a-bolha" muito especial. Ando sempre com o meu alfinete desmancha-prazeres, mas tenho uma sacola onde conservo imaculados uma mão cheia de ideais, cada um na sua bolinha de sabão. E a esses protejo com a vida: no dia em que essas ilusões acabarem não sei de que vou viver.
(Ainda não sei se gosto ou não das bolas de sabão.)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

São como as cerejas

“Gostava de saber no que estás a pensar.”

Ai não, não gostavas. Sorri e olhei para o lado, evitando a conversa e o pensamento. Havia de ser engraçado: por uma vez esquecer consequências, formalidades e normas e despejar tudo cá para fora. Bolas, sem limites! Havia de falar durante uma semana, nada de interrupções!

Para algumas ideias ainda teria de inventar palavras. Outras, nem com mímica conseguiria explicar. Entendam-me: no dia em que eu abrir a minha cabecinha para uma visita guiada os felizes contemplados saem de lá malucos. Não é por mal, mas se imaginarem a fábrica de chocolates Willy Wonka cruzada com a biblioteca do Cairo e a casa do terror que havia aqui na Feira Popular calculo que até percam até a vontade.

Estão a ver os Oompa-Loompas? E os Minions? Bem, eu tenho uns seres, também, andam algures entre esses dois. E eles funcionam como uma espécie de grilos da consciência, mas não dão propriamente conselhos: estão lá, mandam comentários e dicas (na maior parte da vezes idiotas), e fazem grandes representações dos assuntos sobre os quais estou a conversar num palco que tenho especificamente para isso. Portanto imaginem, eu estou a conversar –e isto acontece maioritariamente nas vezes em que o tema não me interessa/agrada/motiva- e vêm à baila, por exemplo, computadores. Ai, como eu detesto! Os meus “Oompa-Minions”, no seu dialecto muito próprio, sobem para o seu lugar sob as luzes da ribalta e representam brilhantemente um comédia nerd para uma assistência composta apenas e só por mim. E eu farto-me de rir, coisa que, infelizmente, não acontece só na minha cabeça (“Rita, estás-te a rir de quê?”- ai, se tu soubesses…).

Depois há todo o processo de filtragem a que procedo antes de dizer seja o que for. Eu penso demais: tenho ideias, opiniões, preconceitos e teorias sobre tudo. Uns são muito estúpidos, outros são muito íntimos, alguns chegam a sair cá para fora…mas a maioria dos pensamentos fica, e fica muito bem, no arquivo. Há segredos a manter. Há coisas que se na altura certa não vieram à baila, agora vão ficar para sempre a apodrecer na memória. Há implicações de terceiros. Há que saber, quando damos conselhos, distinguir aquilo que podemos dizer porque nos é vantajoso daquilo que realmente é útil e essencial para a pessoa que no-lo pediu. E bolas, há repercussões no futuro! Portanto sim, eu paro para pensar, fico com aquela cara que a maioria de vocês conhece e assumo uma expressão característica…mas, pelo amor de Deus, não me peçam para contar!

Quem ousa pedir…bem, então que se sinta preparado para arcar com as consequências. Porque eu posso querer conversar: no dia em que alguém me fizer sentir vontade de vomitar a alma poderei morrer em paz. Mas isto cá dentro é um circo, e vai ser precisa muita coragem para o desbravar.
Fico-me, na maioria das vezes, pelo silêncio agridoce. Sei que a expressão do olhar me trai, mas quanto a isso não há nada a fazer: ele não mente, nunca soube como o fazer.

(Não confundir conversar com falar. Eu falo que me desunho, a expressão “falar pelos cotovelos” quase podia ter nascido a pensar em mim. Mas o que eu realmente gosto –e preciso- é de ter conversas. Conversas longas e pausadas; conversas que dão três voltas ao âmago, ruminam meia dúzia de argumentos e lapidam conclusões geniais. Conversas daquelas que definem em pensamentos as pessoas que lá estão. Conversas que fazem amizades de minutos durar vidas inteiras. E essas conversas, minha gente, essas sim são como as cerejas: deixam água na boca, pedem por mais. Mas será que ainda tenho com quem conversar?)

domingo, 16 de outubro de 2011

Gelado

Will Cotton- Ice cream cavern
Começo a achar que os momentos da minha vida que fazem mais sentido -e que remetem mais aos sentidos- estão directamente relacionados com gelado (estarão os meus neurónios apaixonados pelas minhas papilas gustativas, de tal maneira que o regozijo delas os deixe também em êxtase?). Não deixa de ser uma ideia apelativa, ainda assim talvez seja melhor começar já a prevenir e aumentar a dose semanal de exercício.
Era uma e tal da manhã quando cheguei a casa e me apercebi deste facto que tem tanto de maravilhoso quanto de assustador. Agora são seis e eu há mais de uma hora que estou acordada, portanto, verdade seja dita, não tive muito tempo para dormir sobre o assunto. Literalmente. Mas a ideia ainda me soa bem.
Se for verdade, então talvez seja melhor pensar em associar os sabores aos sentimentos/assuntos em questão.
"Não posso comprar felicidade, mas posso comprar gelado e é mais ou menos a mesma coisa."

(A outra ideia a que associo os momentos mais marcantes da minha vida é a praia das Avencas. Mas creio que nesse caso o motivo é diferente. É a minha primeira casa. É lá que está a minha "família". E por falar em parentesco, tenho outro texto para escrever...)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

'Tá quietinho (Um Deus de trazer por casa)

Faz o que te mandam. Segue as regras. Passa na passadeira, não fales a estranhos, come a sopa. Olha os teus pais. Não digas isso. Entra a horas, baixa a cabeça, olha que está mau. Deus castiga. Ajeita a camisa, penteia-te. FAZ O QUE TE MANDAM.

Não- um tremendo, redondo e absoluto não. Não sou menina de calar a boca, não tenho jeito para hipocrisias e perdi a capacidade de ser cínica (que às vezes até dava jeito, mas enfim, foi-se!). E não sou uma marioneta nas mãos seja de quem for: jamais. Há algo muito puro e forte cá dentro: vontade. Mas é preciso encontrá-la, lutar por ela e quebrar as correntes que a rodeiam.

(Para ser sincera, também ainda preciso de derrubar meia dúzia de muros para lá chegar. Estou demasiado acomodada à rotina, tenho medo que a liberdade me leve o chão e me faça espalhar ao comprido. Estou presa a esta zona de conforto que não me faz feliz nem me abre horizontes, mas deixo-me cá estar porque tenho o meu pequeno buraco. Mas eu não quero um buraco- eu quero muito mais. (Já cheguei à beira do precipício…vá lá, Rita, é só dar o passo em frente!))

Não sou a Bela- sou o Monstro. O bicho no armário, o papão debaixo da cama. O olhar trocista. O esgar de desprezo. Eu piso a relva. Durmo nua. Eu provoco. Faço questão de meter o dedo na ferida…de escarafunchar lá dentro, assim é que é. E então? Uma parede bem segura não cai: testar os alicerces é a melhor forma de ver se a casa aguenta tempestades. O problema- andamos todos a construir na areia. Estamos todos de trela, uma peça agarra na outra, não posso dar um passo em frente porque senão como será o amanhã…’tá quietinho, ou lebas no focinho!

Pelo menos eu corro. Ando à chuva. Meto os pés pelas mãos, espalho-me, choro…vivo à minha maneira. Tenho dúvidas e soluções. Geralmente sobram-me as soluções quando escasseiam os problemas...e quando tenho dúvidas, só sobram mesmo outros problemas. Mas eu posso dizer que me rio com alma, que fiz as minhas escolhas e que traço o meu rumo. Que estou com quem quero porque quero e quando quero, que amo uma vez de cada vez (quando é sincero, até amar de novo, sem obrigações nem porquês). E sei quem é que devo culpar quando estou na fossa: a quantidade de vezes que já fui o mais profundamente ordinária comigo mesma.

Agora… se queres ser mais um, força; se queres ser um a mais, por mim tudo bem. Eu prefiro ser procurada toda a minha vida por fugir a ser outra nas fileiras. A mim, deixai-me cair em tentação. Não me livreis do mal: ajudai-me a distingui-lo. Dai-me pêlos na venta, salvo seja.

sábado, 24 de setembro de 2011

Angelologia

No centro do salão a jaula refulgia sob o efeito das luzes do tecto, cada grossa barra de metal com quatro sombras. Ele, a um canto, de joelhos encostados ao peito e cabeça baixa, não parecia ameaça digna de tamanho aparato.

Ela entrou, os saltos dos seus sapatos ecoando no vazio. Para além disso, o único som audível era o respirar dele, pesado, como se rosnasse, um ruído forte, vibrante.

Parou perto do gradeamento, onde o cheiro dele no ar era intenso e se entranhava. Nunca sentira nada parecido: a fragrância máscula tinha um toque fresco (a mar?), e fazia com que ela se sentisse embalada, tonta.

De repente ele levantou a cabeça. Os olhos, quase pretos, eram luxúria no estado líquido, tão profundos e penetrantes que a fizeram corar. Sentia-se nua perante aquela criatura, vulnerável, como se ele lhe lesse os pensamentos e adivinhasse os gestos. Viu-lhe os cantos da boca levantar, apenas ligeiramente, como se o embaraço dela o animasse.

“O que raio és tu?”, pensou. Ele, como se ouvisse, levantou-se e esticou as asas. Magnificas…a penugem espessa, de um branco brilhante, cobria-as inteiramente. Deviam medir mais de um metro de altura, um pouco mais ainda de largura, cada uma. O corpo, moreno, era forte e definido. E de todo o lado lhe saiam tubos, cateteres, drenos…todo o tipo de fluidos lhe eram retirados do corpo para pequenos sacos pendurados.

Ela tremeu e vacilou quando uma tremenda dor de cabeça se apoderou da sua força. Num esgar de dor caiu de joelhos no chão, as mãos puxando o cabelo como se a pudesse arrancar por ali. Na sua mente passavam rapidamente imagens de um mundo de horrores, tão negro que nem os seus piores pesadelos pareciam dignos de comparação. Histórias de violações, de crimes, de sangue, guerra e mutilação. Histórias de política, de medicina; casos de violência, abuso, depravação. Um mundo de aberrações, o segredo escondido no armário da amiga de infância, o profundo azul: ali estava o álbum de horrores da humanidade, com relatos na primeira pessoa. Este era o anjo que transformava cada minuto negro (de dor, humilhação, vergonha, asco, dilaceração) num tempo difuso que tanto podia -ou não- ter acontecido. Este era o demónio que detinha o poder de lembrar as horas que não são horas.

Quando a dor abrandou a roupa dela estava agarrada ao corpo, ela banhada em suor. Ofegava violentamente como se tivesse corrido do próprio inferno, e chorava. Olhou-o nos olhos: ele, calado, devolveu o olhar. Era uma expressão doce, no entanto. Como se carregasse o pior fardo do universo com prazer. Como se o alivio da mente de quem nunca mais será o mesmo diluísse o tormento que era a sua vida. Ela pensou como podiam ser tão brancas as suas asas, vivendo num tamanho breu.

Num impulso tirou as chaves do bolso das calças e abriu a jaula. As mãos tremiam enquanto lutava por encontrar a maneira de abrir a fechadura. Quando com um estalido a porta se abriu, ele nem se mexeu- ela, no entanto, aproximou-se e passou-lhe as costas da mão pelo rosto. E foi então que ele a agarrou pelos ombros e fechou os olhos.

Ela sentiu o mundo girar, tudo à sua volta se dissolveu até ser só uma massa indistinta. O seu corpo deixou de ter peso, o seu cérebro parou de pensar; ali, num momento que não sabe se existiu de facto, tudo o que sentia era o coração bater (sístole, diástole). E de repente estava em paz, sentiu-se em harmonia com tudo, consigo mesma e com cada ser do universo. De repente todos os pecados lhe pareceram perdoáveis e todas as almas redimíveis, como se o mundo tivesse salvação e a dor fosse apenas uma fase do processo. Sentiu-se capaz de tolerar qualquer provação, de amar acima de qualquer acto. Não fosse a memória de tudo quanto vivera, quase estava capaz de se proclamar Deus.

Quando abriu os olhos sorria, o processo ainda a finalizar. Sentiu o roçar suave de penas nas costas, um equilíbrio diferente na postura, e soube que tinha asas. Mas foi só quando o olhou que se apercebeu do custo do seu gesto. Pretendera salvá-lo, conhecê-lo melhor. Pretenderá libertá-lo daquele pesadelo. E agora via que não era um fardo…que o salvara (não do seu castigo) mas da insaciável curiosidade. Que o tirara das garras da ciência…pagando com a vida dele. O anjo era agora pedra- ela tinha uma dura missão a cumprir.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Quando a hora não é hora

Um dia de cada vez- repito para mim mesma, enquanto vejo pela janela o tempo mudar. O sol está mais baixo e mais fraco, incomoda os olhos e traz a nostalgia do outono. Na televisão passa um qualquer filme de terror daqueles com adolescentes e muitos gritos; curiosamente, “Cuidado com o que desejas” é a frase cliché que nunca me soou bem…hoje é quase melódica.

Tento conformar-me, não me deixar consumir pela culpa (o que, dependendo do prisma de pensamento, pode ser uma luta atroz ou tão natural quanto respirar). Mas, quer eu queira, quer não, a pedra está no sapato e não tenho como tirá-la. Não é propriamente doer, nem impedimento para andar…mas mói, incomoda, chateia.

Será que mudava alguma coisa, se pudesse? Fecho os olhos, respiro fundo, relembro. Bolas, não; não mudava ponta de um corno. Nada que pareça tão certo e natural pode ser assim tão condenável- errado sim, mas e daí? (Daí que agora te sintas a afundar com pés e mãos acorrentados, burra…) Tenho vontade de amachucar a consciência como folha de papel e atirá-la para o balde, para junto dos rascunhos sem valor. Não é uma questão de culpa…é força centrífuga, não há como evitar. Mas então porque me pesa tanto o ego? E ainda assim não mudava. Hei-de arder no inferno, mas olha, pelo menos vivi à minha maneira (e vou lá ter conhecidos, oh se vou!).

Entretanto o sol já foi: o espelho devolve-me a imagem duma Rita alaranjada, com o cabelo desalinhado e um semblante pensativo. Já desliguei a televisão, agora as colunas tocam baixinho (Foreigner, um grande som, Urgent. Já batia ao Lou Gramm por me estar aqui a encher os ouvidos com uma emergência que também me atormenta). Aconchego-me em mim, escalda-me a pele e a alma- nenhuma das sensações é inteiramente desagradável e, no entanto, alguma delas me está a arrepiar a nuca.

Sinto demais, e tenho uma tendência impressionante para o desafio (a pedra que mexe, o carro sem travões, o precipício!). Condenem-me. Um dia tudo vai bater certo. Hoje só não é o dia.

sábado, 17 de setembro de 2011

Sete Pecados


São originalmente sete, mundialmente famosos e base para filmes, livros, músicas e variadíssimas discussões. Na minha opinião, os pecados capitais -mortais, para dar um ar mais terrível- estão desactualizados. Obsoletos. Ultrapassados.

Luxúria, gula, inveja, ganância, ira, preguiça, vaidade: vejamos o caso ao pormenor.
Luxúria. Este custa-me solenemente: para ser sincera, acho que é daquelas coisas que dá felicidade, não prejudica ninguém nem corrompe. É vital e necessário? Não, nem perto- mas sabe bem. Moralmente, pelo menos no meu ponto de vista, não fere. Preservo os meus valores imaculados se tiver relações sexuais por prazer ou se passar o dia numa banheira de espuma…e, como se não bastasse, ambas as situações me melhoram o humor e (em consequência) a relação com o próximo. É preciso é boa disposição. Não está de acordo com os valores religiosos- temos pena. Se calhar o problema é essa mesma pirâmide de valores, há pecados bem maiores. O divórcio também não está e se for em prol da felicidade e do bem-estar geral faz todo o sentido, e é a opção correcta. Se não pesar na consciência, luxúria é das coisas mais docemente prazerosas que conheço. O mesmo se aplica às variantes sensualidade e lascívia. Um valente: “CULPADA”.
Gula. Pronto: não é bonito, saudável, útil, necessário nem (a um nível exagerado) prazeroso- é um vício redondo. Mas daí a estar no top7…não será exagero? Querer e consumir mais do que o necessário é uma tendência natural do Homem, justificada cientificamente. A sobrevivência da espécie passou por acumular para não passar necessidade, consumir acima do necessário (quando há disponibilidade) porque mais tarde poderá escassear. É uma espécie de herança comportamental, que faz sentido. Eu percebo os gulosos…vai ,não vai, junto-me ao grupo. Principalmente se incluirmos um geladinho ou um cesto cheio de nachos com queijo e guacamole no pacote.

Inveja. Bem, este já tem a balança mais equilibrada: pelo menos não é bonito. Vivemos num mundo em crise constante – quer financeira, quer de valores- onde as oportunidades são escassas e o que não falta é concorrência (por vezes) desleal. Cobiçar o alheio é mais natural do que pecaminoso, por princípio. E é dessa inveja que nasce a vontade, (quiçá) a motivação, para lutar por mais e melhor. Se lhe chamar “seguir o bom exemplo alheio”, no fundo, é a mesma coisa; mas é praticamente de louvar e não está errado. “Eu, cobiçar aquela vivenda com piscina, barbecue e campo de ténis? Não! Estou só a dizer que o modelo de vida daquele senhor empresário no bruto fato Armani que a comprou é nobre, vou fazer tal e qual.” –e, sinceramente, qual é o problema? Não que esteja correcto e seja bonito, mas daí a ser condenável vai um bocadinho. Devo ser feliz com o que tenho…mas se desejar mais ninguém leva a mal. Olhar para a galinha da vizinha não tem pecado nenhum, mas pelo menos que dê também valor à minha. De qualquer modo, este é um a evitar.

Ganância, ou avareza (segundo a Igreja Católica são uma e a mesma coisa). Ah. Este já é outro patamar, que faz na minha cabecinha muito mais sentido. É sem dúvida o pecado que considero condenável. Invejar é uma coisa que, controladamente, pode até ser saudável: a ganância é uma idolatria excessiva e descontrolada pelo material que passa por cima de tudo e todos. É um hino ao dinheiro que destrói a humanidade de cada um, e que leva ao isolamento. Uma espécie de auto-estrada sem fim nem saídas. Não gosto nada.

Ira. Não passamos todos por lá? É um impulso pouco correcto, mas não há como contê-lo vivendo no século XXI. Há más acções, más pessoas, acasos azarentos, abismos. Há buracos muito grandes- não faltam provocações que plantem a semente da raiva algures cá dentro. E ela ou é descarregada…ou cresce. Ódio, rancor, vingança. Bem, se evoluir até aqui, então sim, também condeno. Mas, nestes escassos anos de vida, já estive uma mão cheia de vezes (pelo menos) furiosa. Já perdi a cabeça, disse e fiz mais do que devia. Já, certamente, ultrapassei os limites do razoável e invadi o domínio do “outro”. E não me considero assim tão má pessoa.

Preguiça. Haja dó. Noventa por cento das pessoas que conheço são preguiçosas, algumas mesmo ao extremo. E a grande maioria delas não merece condenação por isso. Mais uma vez, as circunstâncias em que vivemos são propícias a um estado de cansaço e moleza que nos atira para o sofá. E momentos de ócio são necessários. Existindo uma conciliação entre trabalho e inactividade que permita à pessoa ter um nível de vida que a satisfaça sem incomodar ninguém…então que molengue à vontade no tempo livre. Havendo esmero e empenho quando é necessário, há tempo para tudo. Até para ficar esparramado na cama um dia inteiro.

Vaidade. ADMITO- precisava de começar por aqui! Também chamada de soberba (que será provavelmente um termo mais correcto, eu é que sou menos simpatizante). Não precisa de ser uma questão tangente à arrogância e ao orgulho, na minha opinião. Uma pessoa deve-se esmerar nos actos, nos sonhos, no pensamento…porque não na imagem? Qual é o pecado de querer parecer o melhor possível? É por estar ligada à luxúria? É juntar o útil ao agradável…e torná-lo quase divino (cheira-me que o problema é esse). Eu acho muito bem: se eu não gostar de mim, quem gostará?

Fazendo uma avaliação- vou arder no inferno! Tirando a ganância e a ira (do qual sofro pouco), confesso que estes pecados são quase traços de personalidade. Bastante gerais, por sinal.

E então quais serão os crimes e instintos humanos merecedores de condenação? As paixões a conter? Destes, manteria a ganância. Mas não faz muito mais sentido a pedofilia? A violência? O abuso dos recursos naturais? Roubar? Violar os direitos humanos, no geral, é muito pior que ser vaidoso, preguiçoso e guloso (juntos). Digo eu. Mas façam o favor de me dar a vossa opinião.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Parêntesis mental


Às vezes penso no quanto te quero tão intensamente que juro que se olhares para mim, ouves. Desvio o olhar, coro, rio-me. É tão ridículo, mas faz-me feliz. Profundamente. Sinto-me...viva- sim, é isso mesmo. Capaz.

Acho sempre que nunca mais me vou voltar a apaixonar, e acabo sempre por cair na mesma raiz levantada. É aquela coisa que anda de noite: a tomada está a dar choque, ora mete lá o dedo! Não tem ponta de racionalidade; simples, sinto e sabe-me bem. Merda. Hoje apetece-me adormecer do teu lado.
Queres fazer o favor de me sair da cabeça? Mas que falta de respeito...

(ps: O post mais idiota de uma vida)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Não é uma música d'Os Pontos Negros, mas poderia ser (Conto de Fadas da Madorna à Parede)

(Já desabafei, agora vou fantasiar.)


Ela precisa de mais. O mundo gira, o relógio não pára, mas a cama – vazia- parece impune e quase divina, omnipotente. Quem haveria de dizer que o cinza-tecnológico (nome técnico que cobre desde meios de transporte e vitrines a telemóveis e redes sociais) lhe dava um tédio de morte, que a luz artificial lhe feria os olhos e a comunicação social exercia um efeito diurético na sua cabeça? Ninguém, mas, voilá!, é a mais pura das verdades.
Ele vive a vida como é, consciente de que os que interessam não se importam e que os que se importam não interessam. Ele luta, pensa, faz. Mas ele não é completo.
Ela, enrolada nos lençóis, não vai sair da cama. Não quer sair para enfrentar uma humanidade mecânica em que todos têm o mesmo conteúdo e uma carcaça também semelhante. Ela é diferente, e está cansada do pára-arranca social. *(Parafuso e fluido em lugar de articulação, até achava que aqui batia um coração; nada é orgânico, é tudo programado, e eu achando que tinha me libertado…mas lá vêm eles, novamente, eu sei o que vão fazer: reinstalar o sistema!)

Ele rema contra a maré. Foge das massas e fecha os olhos quando o vento lhe bate na cara. Ele pensa mais do que fala, é mais do que aparenta. É especial e desconhece. Tem dúvidas, questões, medos; não sabe se é a ovelha negra ou uma espécie de águia num mundo de galinhas.
Ela lê tanto que já tem o cheiro do papel entranhado nos dedos. Ele acha que o melhor perfume é o de roupa lavada. Ela tem um sorriso fantástico. Ele podia passar o resto dos dias a dar-lhe motivos para sorrir.

Eles encontram-se junto ao mar. A cama dela já não está vazia. O mundo dele já está completo. Ela já não precisa de mais. Ele já tem as suas respostas.
(Não quero estragar o fim, mas vai ficar tudo bem.
Felizes para sempre.)

PS: Tenho saudades da tua boca no meu pescoço. De me sussurrares ao ouvido. De me beijares lentamente. Sinto falta da tua respiração quente, da minha pele arrepiada. Dos segundos, das horas. Ainda não percebi se tenho um vazio cá dentro ou se estou tão cheia que quase rebento. Quero-te. Truly, Madly, Deeply. E já. Ou então para sempre.
*Pitty- Admirável chip novo

Ontem, hoje e (talvez) amanhã

Tenho cada vez mais a noção de que tudo o que construi até agora não passou de um castelo de cartas. Problema: o dito cujo resolveu cair agora, e eu não tenho mãos para o sustentar. (Frágil. Sinto-me frágil.)

A ironia é que eu até tinha orgulho na obra- guardo doces memórias de cada peça colocada quase milimetricamente com uma fé que (se me perguntassem “ontem”) era inabalável. Lembro-me dum sorriso meu e só meu, escancarado, vital…real. Lembro-me duma força que vinha directa (Do coração? Da alma?) de dentro. Lembro-me de gostar de ser eu mesma e de estar comigo.
De alguma maneira desse lugar aberto, ao sol, onde vivia, caminhei para um túnel. Primeiro faltou-me a luz. Depois começou a afunilar. Agora aperta-me de tal maneira que dou graças por já nem ver.
Não percebo o que quer o destino. Não sei que fado é este meu, que me escapa por entre os dedos como água. A força fugiu de mim; não a encontro, se cá está; é um curto engano, se julgo que a agarro.

Não sei por onde pegar. As cartas que seguro desfazem-se em pó como se o seu tempo tivesse passado e eu tivesse perdido a oportunidade. Ao mesmo tempo quero fugir e tenho os tornozelos acorrentados. Tenho medo do futuro, bolas, estou apavorada. E estou triste comigo, tão triste. E exausta, meu Deus…
Alguém lá em cima ou se está a rir, ou se esqueceu de mim.
(A pressão cá dentro é muita, tanta que temo que se tenha dado início ao processo de liquidificação do meu cérebro. Tenho medo de explodir se abrir os olhos. E bolas, choro que nem uma menina. Já caiu o ás de espadas, o rei de copas e a dama de paus. O valete de ouros parece ainda estar do meu lado…sem ele -vocês- não sei o que seria de mim. Acho que é desta que morre o último sonho e o conto de fadas...paz à sua alma. Saibam que eu, um dia, acreditei.)
I keep a journal of memories
I'm feeling lonely, I can't breathe
I fall to pieces, I'm falling
Fell to pieces
and I'm still falling

Every time I'm falling down
All alone I fall to pieces
VELVET REVOLVER- FALL TO PIECES